domingo, 18 de novembro de 2007
DUNAS NA PRAIA DA BARRA
Na Linha Da Utopia

A REACTUALIZAÇÃO DA TOLERÂNCIA
1. Há palavras que têm um sentido bem mais profundo que aquele que comummente é atribuído. Muitos outros conceitos também existem que, de tanto falar, vão perdendo a “validade”, de tão banalizados e vazios que vão parecendo. A ideia de “tolerância” é uma dessas palavras-chave sobre a qual talvez recaia mais um sentido negativo do que positivo. Lembramo-nos quando do “Ano das Nações Unidas para a Tolerância” (1995) de que se falava no sentido comum: “já que não nos amamos ao mesmos toleremo-nos”. Tal era (será ainda hoje?) o sentido menos saudável desta ideia chave da tolerância.
2. De raiz antiquíssima nos códigos humanos que foram abrindo janelas no (difícil) entendimento das formas diferentes de pensar e viver, levado ao limite da experiência humana há 2000 anos (na origem do Cristianismo), todavia, ao longo dos séculos (europeus) a história regista páginas sangrentas de intolerância, cruelmente esta agravada com as chamadas guerras religiosas que “quebraram” a Europa da inaugurada época moderna. Nesse salto qualitativo de descobertas e conhecimentos científicos (como sempre), aguardando-se o progresso e o entendimento, eis que, pelas raízes não iluminadas, a intolerância multiplica-se.
3. Será já no século XVII, diante do cenário europeu destroçado pelas guerras dos dois grandes blocos político-religiosos (Reforma e contra-Reforma) que o filósofo inglês John Locke (1632-1704), no esforço reflexivo propõe (como base para uma concepção plural de Estado moderno) a sua magistral “Carta sobre a Tolerância” (na primavera de 1689). Um documento de separação das muitas águas turbas na confusão dos planos, mas uma carta de fundamental cooperação das diversidades para o bem comum. Estava, assim, o terreno preparado para a coabitação das diferenças de pensamento (mas, posteriormente, como infeliz hábito, as más interpretações conduzem aos extremos…).
4. Nos 50 anos da criação da UNESCO, a 16 de Novembro de 1995, numa visão contemporânea, os Estados-membro adoptaram uma “Declaração de princípios sobre a Tolerância” e proclamaram 16 de Novembro como “Dia Internacional da Tolerância”. No esforço de resgatar o conceito, quem lê as mensagens anuais do Director-Geral da UNESCO e do Secretário-Geral da ONU, redescobre a urgência de acolhermos a tolerância com um valor positivo, que significa o oposto de passividade, indiferença, ausência. Neste nosso tempo global, onde (refere Kofi Annan, 2006) se verifica o aumento da intolerância, extremismo e violência, a ideia de tolerância poderá oferecer essa luz de entendimento para o desejado diálogo e “Aliança de Civilizações”. No tempo on-line em que se decreta “o fim da distância”, e diante das novas proximidades no viver com o “outro”, a Vida do futuro exige esta escola presente.
Alexandre Cruz
TECENDO A VIDA UMAS COISITAS - 47

OS TRIPEIROS
Caríssima/o:
E é tempo de chegar ao Porto por onde já passara umas tantas vezes e onde aportara antes da ida para a tropa; porém, terminada esta, a vinda para o Porto foi definitiva até aos dias de hoje.
Certo certo é que o meu contrato com esta Terra e estas Gentes foi um tanto desigual: em troca de me permitirem que o coração continuasse livre, me prenderam a mente e os pés a estas pedras graníticas e, ainda mais violento, abraçaram os nossos Filhos que à sua sombra se acolheram!
Será então curioso que, no Porto, me (e nos) reconheçam pela Ria... E quando saboreio (saboreamos) berbigões, rojões do redenho e maresia insinuem que...”vá lá, vá lá, umas tripinhas à moda do Porto...”
Sem mais!...
Assim sendo, vamos às tripas:
«Ramalho Ortigão, no torno inicial de As Farpas, declara: No fundo das suas convicções políticas e sociais, o portuense é verdadeiramente patuleia ... gloria-se de ser tripeiro e articula esta palavra rijamente. Então, os portuenses têm orgulho na alcunha de tripeiros? Ora porquê? Por duas razões, mediando entre elas nada menos que 31 anos.
Parece misterioso, mas recuemos a 1384, quando Rui Pereira organiza no Porto uma armada de 17 naus e 17 galés e ruma a Lisboa, para acabar com o cerco dos castelhanos e acudir a uma população faminta. A armada levava não só marinheiros e soldados como mantimentos. Praticamente toda a carne que havia entre muralhas no Porto, que os da velha cidade entenderam contentar as suas mesas à conta das tripas, que cozinhavam com feijões. O resto das carnes apareceu só quando se estabilizou a vicia nacional. Os portuenses ganharam o gosto às tripas e uma comida de emergência tornou-se um petisco e um prato de substância. Aliás, só os estômagos fracos e sensibilidades exageradas afastam o prato. E o tom pejorativo da alcunha apareceu já em fase de calmia histórica, digamos assim.
A segunda e decisiva vez já foi em 1415. Os calafates da beira-rio trabalhavam rijamente na aparelhagem de mais umas quantas naus e multiplicavam-se os boatos sobre o destino das mesmas. Que eram uns príncipes que iam casar a Nápoles, que era o rei João apontado a visitar a Terra Santa, que a princesa assim, que não se sabia mais quê. Boataria.
À maneira, como convinha. Até que o jovem Infante D. Henrique manda chamar o seu fiel Mestre Simão, que dirigia os estaleiros. Pedindo-lhe o máximo sigilo, confiou o infante ao seu velho amigo que essas naus em construção se destinavam à conquista de Ceuta. Mestre Simão, que já participara na armada que Iibertara Lisboa, sabia que o que se pedia não era apenas o cumprimento de prazos na entrega das embarcações, era o próprio abastecimento. E de novo o Porto se comprometeu a voltar a comer tripas por obrigação. E o epíteto, muitas vezes incompreendido para os de fora e para alguns de dentro, tornou-se uma medalha de patriotismo.» [V. M., 210]
E pela cópia fica o
sábado, 17 de novembro de 2007
Responsabilidade social das empresas
José Roquette vai apresentar, no próximo dia 20 de Novem-bro, o Portal VER.PT. Trata-se de uma iniciativa da ACEGE (Associação Cristã dos Empresários e Gestores), que tem por finalidade promover a defesa da ética e da res-ponsabilidade social de empresas e gestores, segundo anunciou o suplemento de Economia do EXPRESSO. Num país maioritariamente católico, é tempo das empresas e dos gestores assumirem, na prática, a vivência da Doutrina Social da Igreja, há tanto tempo pregada pelos defensores de mais justiça e de mais diálogo entre patrões e trabalhadores.Imagens da Ria

DIA MUNDIAL DO NÃO FUMADOR
A propósito das limitações que vão ser impostas aos fumadores, no sentido de não poderem fumar em recintos fechados, não faltam vozes a protestar, clamando que se está a cair em radicalismos incompreensíveis. Os fumadores acham que devem poder fumar onde lhes apetece e os não fumadores entendem que ninguém tem o direito de conspurcar o ar que respiram.
Pessoalmente, penso que os não fumadores têm razão. Os fumadores podem e devem fumar onde quiserem, mas com limitações que exijam o respeita pelos não fumadores.
Ontem, precisamente, entrei com familiares num conhecido restaurante da Bairrada. Salas amplas que começaram a encher por volta do meio-dia, quando chegámos. Estávamos a começar a refeição, quando entra um daqueles fumadores que não param de fumar… O homem, de cara esquelética talvez pelo excesso de fumo, não se cansava de atirar fumo para o ar, enquanto não chegou a sua refeição. Perguntámos, então, se não havia sala para não fumadores. O empregado, delicadamente, informou-nos que não. Poderíamos mudar, se quiséssemos, para a outra sala, ainda com menos pessoas, mas não era seguro que pudesse ficar sem fumadores. Resolvemos ficar, para evitar complicações com a mudança de mesa. E o fumador voltou à carga nos intervalos da refeição, obrigando toda a gente a inalar o fumo que inundava tudo e todos.
Perante situações destas, eu pergunto se é admissível vivermos assim, sem radicalismos que imponham aos fumadores o respeito pelo seu semelhante, sobretudo daquele que gosta de respirar o ar puro.
O fumador, a meu ver, tem todo o direito de fumar e de dar cabo da sua saúde. Mas será que tem o direito, também, de prejudicar os outros? Julgo que não.
FM
A ESPERANÇA E A SANTA ESPERANÇA

O cosmos, desde a sua origem, é em processo (do latim procedo, ir para diante). A realidade material tem carácter "prodeunte" (do verbo prodeo, avançar), para utilizar uma palavra do filósofo Pedro Laín Entralgo, que estou a seguir.
Trata-se de uma propriedade genérica que se vai fazendo proto-estruturação - passagem das partículas elementares às complexas -, molecularização - dos átomos às moléculas -, vitalização - das moléculas aos primeiros seres vivos -, vegetalização, animalização - aparecimento e desenvolvimento da vida quisitiva da zoosfera - e hominização - transformação da tendência geral para o futuro em "futurição" humana, tanto no indivíduo como na espécie humana e na História, desde o Homo habilis até ao presente.
No quadro destes modos de existir na orientação do futuro, só quando se chega ao nível do ser vivo, que precisa de buscar para viver, é que se dirá que a tendência para o futuro se configura como espera, podendo chegar a ser esperança. Desde o nascimento até à morte, entre a esperança e o temor, o animal vive permanentemente voltado para o futuro e orientando a sua espera na procura do que precisa para viver.
O animal e o Homem esperam, mas, enquanto a espera animal é instintiva, no quadro dos instintos e de estímulos, situada e fechada, a do Homem transcende os instintos, os estímulos e as situações, sendo, portanto, aberta, de tal modo que nunca se contenta com a simples realização de cada um dos projectos parciais em que a sua "futurição" constitutiva se concretiza.
Laín dá um exemplo. Numa "sala de espera" de uma estação de caminho-de-ferro, não me limito a aguardar a chegada do comboio que traz o meu amigo, pois, mesmo que não tenha consciência explícita disso, espero o que será a minha existência em todo o seu decurso posterior. A espera humana está realmente aberta a possibilidades que transcendem a realização feliz ou frustrada de cada projecto.
Ora, tanto num como noutro caso, isto é, tanto na espera do concreto - aqui, a chegada do amigo no projecto de aguardá-lo - como, mesmo que não pense directamente nisso, na espera do que transcende o concreto e limitado - o que será de mim na minha vida depois da chegada do amigo -, são possíveis duas atitudes enquanto tonalidades afectivas: a confiança e a desconfiança.
Devido a uma multiplicidade de factores, desde o temperamento às circunstâncias biográficas de sorte ou desgraça, passando pela educação, estes dois estados de ânimo - confiança e desconfiança - "podem converter-se em hábito de segunda natureza: a esperança, quando é a confiança que domina, e a desesperança, quando prevalece a desconfiança".
O Homem, como o animal, não pode não esperar: vive orientado para o futuro e esperando o que projecta, isto é, a consecução de metas e objectivos concretos e também, quer se dê conta disso quer não, o que permanentemente transcende a obtenção desses projectos. A esperança tem, pois, dois modos complementares: a esperança do concreto (o hábito de confiar que os projectos parciais se irão realizando bem) e a esperança do fundamental (o hábito de confiar - a confiança não é certeza - em que a realização da existência pessoal será boa).
Esta esperança do fundamental é a "esperança genuína", que assume também dois modos, que não se excluem: a esperança terrena e histórica e a esperança meta-terrena e trans- -histórica. Esta é própria dos crentes numa religião que afirma confiadamente a vida para lá da morte em Deus.
Aí encontraria o Homem finalmente, como diz Santo Agostinho, aquela plenitude por que aspira na tensão constitutiva entre a sua radical finitude e a ânsia de Infinito: "O nosso coração está inquieto enquanto não repousar em ti, ó Deus." "Santa esperança!", dizia Péguy.
