Pobreza: o beco sem saída?
1. Já desde os tempos antigos, falar a “estômagos vazios” é literatura que cai em saco roto. Quando os que têm pão em abundância discursam simpaticamente sobre os que não o têm, e rapidamente passam a outro assunto pelas naturais pressas da agenda e da vida, estamos, no fundo, diante de ideias surdas e mudas, que adiam esta resolução fundamental dos mínimos da dignidade humana. É assim que, salvaguardando esforços heróicos de pessoas e entidades, vamos continuando na manutenção da pobreza. Verdade sublinhada se diga, se os senhores do mundo quiserem, que HOJE será possível terminar com a pobreza extrema.
2. Por ironias do calendário (ou talvez não), depois do Dia Mundial da Alimentação (16 de Outubro), celebra-se o Dia Mundial para a Erradicação da Pobreza (17 de Outubro). Como as cerejas, num encadeado sempre crescente em que as consequências são novas causas de pobreza, os modelos globais da hiperconcentração dos poderes (macroeconómicos) vão-nos dizendo que “a lei do mais forte” é implacável para quem não se adapta ou tarda em conseguir vislumbrar o caminho. Das antigas (rurais) às novas formas de pobreza (citadina), da envergonhada à desavergonhada, o certo é que até algumas formas clássicas (a horta e o galinheiro!) de sobrevivência foram recebendo a ordem de fechar, deixando o pão ainda mais longe e (mesmo) a ociosidade bem mais perto.
3. A margem da sociedade está a ficar cada vez maior. Os publicitados números económicos espelham o seu fruto, não permitem respirar muitas famílias já de cinto bem apertado, numa classe média que tende a esvaziar-se. O antídoto sempre foi a FORMAÇÃO: esta é a chave da porta de uma sobrevivência que se vai abrindo a novas formas de resolução dos problemas. Formação, tanto para o mundo longínquo (sem água nem pão), como para nós que tardámos em aceitá-la, com motivação e compromisso, será a ferramenta salvadora. Lá longe, muitos ditadores vão impedindo o acesso a essa renovadora qualificação dos povos; cá perto, como é possível que tantos e tantos adolescentes abandonem levianamente a sua formação escolar?! Como tudo se conjuga nessa indiferença da entrada no “beco”?
4. E mais: por exemplo, há dias observámos (e libertámos) num dos parques de estacionamento da cidade uma luta entre duas pessoas; eram dois sem-abrigo, arrumadores de carros, vindos de outro país. Um julgava-se proprietário desse parque e não queria aceitar o outro que lhe vinha “tirar” alguns clientes; álcool e fumo fazem parte dessa vida, dando ao menos para aquecer as noites que começam a ficar frias (o chamado Natal ainda está longe, também é só um dia)… E como podemos proclamar que está tudo bem quando cresce o número de excluídos da sociedade? E como “ensinar a pescar” com mais eficácia e compromisso? E como ligamos mais a política (seja económica) e um ensino como estratégia nestas questões de fundo? E como...
Alexandre Cruz