Ando a ler, reflectindo cada capítulo, “Afonso Henriques” de José Mattoso, grande medievalista. Confesso que me encanta este tipo de leitura. Tanto mais que a beleza da História está num trabalho normalmente inacabado. As investigações sucedem-se, nunca sabendo nós quando se atinge o zénite. José Mattoso vai-nos alertando, passo a passo, para esta verdade indiscutível. E se o assunto é bem lá de trás, dos primórdios da construção da pátria portuguesa, carregada de lendas e mitos, de feitos contados e recontados, ao estilo de quem conta um conto acrescenta um ponto, então se compreenderá que as figuras históricas estejam muito deficitariamente retratadas. Assim é com o nosso primeiro rei.
Diz o autor que “a demonstração dos factos históricos é quase sempre hipotética, sobretudo se eles se situam numa época tão remota como o século XII”. Esta ideia, que José Mattoso vai repetindo, lembrando que as teorias que apresenta não passam, muitas vezes, de meras leituras, deixam-me a certeza de que a figura do rei foi construída ao sabor de interesses em jogo, que muitos eram, quer da Igreja, quer dos senhores de Ribadouro, quer, ainda, dos que se lhes opunham, em especial dos reinos vizinhos.
As imagens que retenho do que aprendi ao longo do tempo sobre o construtor da nossa independência precisam, naturalmente, de ser reformuladas, tal é o manancial de informação, informação que tem estado a ser interpretada e reformulada, com base noutra visão do mundo daquele tempo. Ainda estou um pouco longe do fim do livro, mas já posso adiantar que, afinal, o famoso aio de D. Afonso Henriques, Egas Moniz, o da tal história do baraço ao pescoço, para desagravar a sua honra, pode mesmo não ter sido aio nenhum do nosso primeiro rei. Talvez o aio tenha sido outro… Depois conto.
Fernando Martins