O Albano acordou na segunda-feira com o firme propósito de resolver de uma vez por todas o problema das prendas de Natal. Todos os anos sentia o mesmo dilema, sem saber o que oferecer na noite de consoada aos seus familiares. A esposa, essa sim, tinha jeito para tais coisas. Sempre estava mais disponível e não tinha preocupações que a incomodassem. O Albano era diferente. A empresa ocupava-o todos os momentos de todos os dias, ou não o obrigassem a isso a crise económica que domina o país e alguns conflitos com um ou outro trabalhador, que há sempre quem esteja insatisfeito com o ordenado que recebe, como ele tantas vezes dizia. Por isso, escasseava-lhe o tempo para pensar em prendas. Mas o Natal ainda o motivava para se mostrar generoso com quem mais o ajudava nos negócios e com os familiares mais próximos. Restos de uma educação cristã que havia recebido em criança e do ambiente solidário que a época natalícia propicia.
As prendas dos mais directos colaboradores eram fáceis de encontrar. Mais uns dinheiros, para além do subsídio do Natal e do habitual salário mensal, e não era nada mau. Assim, receber quase três meses de uma só vez sempre será muito bom para que os trabalhadores bem comportados possam passar esta quadra mais folgadamente, costumava dizer o empresário, em jeito de quem gosta de mostrar a sua generosidade. Os outros, os que levam a vida a protestar, esses que aprendam a viver e para o ano logo se verá, sublinhava o Albano, quando alguém o criticava por só olhar para alguns. Agora, com a esposa, filhos e pai é que é mais complicado.
Com os primeiros, porque ficam sempre descontentes e à espera de mais, e com o velho, internado num Lar da Terceira Idade, porque nunca reclama nada. Que está tudo bem, que os netos é que precisam, que há pobres a quem falta tudo, que há gente que passa fome, que há refugiados de guerra, que há imigrantes entre nós sem trabalho. Mas para ele, que tem cama, mesa e roupa lavada, nada mais é preciso, garantiu no ano passado ao Albano, quando lhe foi levar um livro como prenda de Natal.
Um livro que o velho afinal nunca abriu. Olhos cansados, uma melancolia que o tem invadido, um gosto pela solidão que ninguém entende, diz a família a quem pergunta por ele. O pai do Albano, Alberto Ferreira, funcionário numa Repartição de Finanças durante uma vida, sempre foi uma pessoa amável e prestável. No fim da carreira, já ajudava a resolver problemas de filhos e netos de contribuintes que o viram entrar na repartição. Conhecia toda a gente e para todos os que se abeiravam dele tinha palavras amigas, entrecortadas pelas últimas anedotas políticas, de que era um exímio mas prudente coleccionador.