ABYSSUS ABYSSUM
Nesse dia, os dois pequenitos tinham jurado que haviam de ir ao rio. Assim eles tivessem uma coisa boa!... Mas que tentação para ambos, o rio! Ainda lhes soavam aos ouvidos, com todo o seu entono vibrante de ameaça, aquelas terríveis palavras com que a mãe os intimidara, um dia que lhe apareceram em casa tarde e às más horas. – Ouvistes? – ralhara-lhes a mãe. – Olhai se ouvistes! Se voltais ao rio, mato-vos com pancada! Andai lá... Ih! Como ela dissera aquilo, Mãe Santíssima! Colérica, ameaçadora, com a mão em gume sobre as suas cabecitas louras...
Lembravam-se de haver tremido, cheios de susto, muito chegados um ao outro, humildes sob aquela ameaça terminante. E então, nesse dia, eles não tinham ido ao rio. Aos pássaros, sim... lá estavam as calças rotas do Manuel a dizê-lo – ...aos pássaros é que eles tinham ido. Ao rio era bom!, a mãe que o soubesse... Ah, mas então não os deixassem dormir naquele quarto!
Logo de manhã, mal abriam as janelas, a primeira coisa que viam era o rio, uma corrente muito lisa e esverdeada, serpeando entre os renques baixos dos salgueiros. Lá estava a ponte velha, de onde os rapazes se atiravam despidos, de cabeça para baixo, e então o barquinho branco do fidalgo – lindo barquinho! – sempre à espera que o fidalgo o desamarrasse para passar à grande quinta que tinha na margem de lá. De modo que o primeiro desejo que logo pela manhã assaltava os dois rapazes era o de irem por ali abaixo, muito madrugadores, tão madrugadores como os melros, meterem-se dentro do barco, desprendê-lo da praia e deixá-lo ir então para onde ele quisesse, contanto que fosse sempre para diante...





