no Diário de Aveiro
Não sendo para celebrar, deve ser mesmo para nos alertar, para ser uma espécie de marco. E para olhar em volta. Para refletir o nosso mundo, com vias a alguma mudança. É que, se olharmos para os pobres, melhor, se os «encontrarmos» verdadeiramente, poderemos contribuir para acabar com tantas ansiedades e medos inconsistentes, fortalecendo aquilo que verdadeiramente importa na vida e que ninguém nos pode roubar o amor verdadeiro e genuíno. Na realidade, os pobres, antes de serem objeto da nossa esmola são seres humanos, que nos ajudam a libertar das armadilhas da inquietação e da superficialidade.
Reconheço que temos a sorte de conviver e de poder escutar, muitas vezes e ao vivo, uma das vozes mais assertivas, no nosso mundo — o Papa Francisco.
Conhecedor da nossa fragilidade humana, mas também da nossa força e criatividade, ele pede-nos: «Nunca afastes de algum pobre o teu olhar.»
E sustenta que, no combate à pobreza, é preciso superar as «retóricas» para «arregaçar as mangas e pôr em prática a fé, através de um envolvimento direto, que não pode ser delegado a ninguém».
Assim, o Papa não desiste de nos convidar a uma reflexão sobre o nosso estilo de vida e as «inúmeras pobrezas» do mundo contemporâneo. Sim, vale a pena pensar. Mas não chega em tempo de ação. Há dias, li também um texto muito interessante, de um professor de Teologia numa das universidades de Lisboa sobre "Os sinais do tempo". Diz ele que a crise assenta num último estádio: «saturação indiferente». E de facto, estamos em crise profunda. Caminhamos, passamos por este e aquele pobre e não paramos: olhamos, mas não os vemos... E nunca nos perguntamos, sequer, que satisfação sentiria ele com uma simples saudação do tipo: Um bom dia, boa tarde ou boa noite. Talvez mais do que receber apenas uma esmola esse gesto de proximidade pudesse fazer a diferença. É urgente atender e despertar para a necessidade espiritual dos que vivem na pobreza.
Vale a pena perder uns minutos e... ficar de relações cortadas com aquela companheira diária a pressa vertiginosa com que vivemos, a eterna companheira diária da vida
Temos que ter ou inventar tempo para perguntar Está doente? Necessita de algum medicamento? Quer comer um caldo quente ou uma bebida quente? Quer um agasalho? Ou quer só conversar um pouco? Mas neste mundo em tumulto, sobrevive a marginalização. É um facto. Os pobres afinal andam e ficam por aí, no seu mundo tão difícil, a sobreviver...
Neste Dia Mundial do Pobre, todos nós queremos fazer algo. E parece-nos mais do que oportuno solicitar ao Governo um sério e eficaz empenho político para tomar os pobres mais felizes. E também à sociedade civil pedimos mais coração.
Compreendemos algumas lacunas da política para ver melhor e servir o bem comum. Mas parece-nos que chegámos a uma crise que merece uma atenção especial. O aumento dos "sem abrigo", o alastrar da pobreza, requer uma redefinição dos apoios às instituições, com alterações legais sobre os prazos de apreciação e a aprovação ou não dos projetos e também com reembolsos mais rápidos na sua execução.
Temos ainda de evoluir no tempo de espera das respostas, pois a vida atual não se compadece com decisões tardias e ultrapassadas. Os mais desfavorecidos merecem a atenção especial de todos, da sociedade civil, das câmaras municipais e do Governo. E aproxima-se mais um Natal... tradicionalmente, a época mais fértil para refletir e para fazer o Bem. Vamos a isso?
Que se faça mais Natal em todos nós.
Que apareçam muitos abraços de solidariedade para aqueles que sofrem as várias dores da pobreza
A todos estes, o meu abraço solidário.
João Barbosa
Presidente da Cáritas Diocesana de Aveiro
Nota: Publicado no Diário de Aveiro