“Foi o poeta da virgindade, porque os seus olhos ingénuos e límpidos descobriram como nenhuns outros, nas coisas e nas criaturas, o que elas encerram de suprema delicadeza, o seu aspeto mais fino, a sua expressão mais terna, o seu ponto de contacto com a imaterialidade. Ele não alcançou o pleno Espírito e desprezou sempre a Matéria.”
Teixeira de Pascoais
Nota: Abertura em destaque no estudo de Paulo Samuel
MEMÓRIA
À MINHA MÃE
AO MEU PAI
Aquele que partiu no brigue Boa Nova,
E na barca Oliveira, anos depois, voltou;
Aquele santo (que é velhinho e já corcova)
Uma vez, uma vez, linda menina amou:
Tempos depois, por uma certa lua-nova,
Nasci eu… O velhinho ainda cá ficou,
Mas ela disse: — «Vou, ali adiante, à Cova,
António, e volto já…» E ainda não voltou!
António é vosso. Tomai lá a vossa obra!
«Só» é o poeta-nato, o lua, o santo, a cobra!
Trouxe-o dum ventre: não fiz mais do que escrever…
Lede-o e vereis surgir do poente havidas mágoas,
Como quem vê o sol sumir-se, pelas águas,
E sobe aos alcantis para o tornar a ver!