POEMA DE INVERNO
Veio de longe, e mal chegou
partiu para mais longe ainda:
só o tempo justo para fazer
das águas dormentes do meu trôpego
coração
um rumor de sílabas matinais.
Como toda a gente que partilha
com luz a sua vida
era muito inocente, trazia do local
onde nascera
o ardor das coisas do mar.
Não sei de alegria tão pura
como a que morava nas molhadas
pedras dos seus olhos,
e baila ainda nas chamas
em qualquer lugar da casa.
Ao fim da tarde, o canto
do pequeno pássaro e o vento diziam
a mesma coisa: não deixes o incêndio
do deserto invadir-te o coração.
Sem que tu o suspeites, sequer.
Eugénio de Andrade
(1923-2005)
In "POESIA "