segunda-feira, 11 de julho de 2022

O Cristianismo na guerra das armas e das ideias

Durante sua histórica visita às cidades bombardeadas de Hiroshima e Nagasaki, em Novembro de 2019, o Papa condenou o uso e a posse de armas nucleares por qualquer Estado.

1. Este título pertence ao ensaio de um teólogo, em plena produção e muito conhecido, Tomáš Halik, publicado pelo 7 Margens (18/5/2022). De facto, não é um autor desconhecido do público português. As Paulinas já editaram vários dos seus livros. Nasceu na Checoslováquia, em 1948, é um convertido e estudou Teologia e foi ordenado Padre na clandestinidade, durante o regime comunista, sendo psicoterapeuta para toxicodependentes e alcoólicos. Com a simbólica queda do muro de Berlim, foi nomeado conselheiro do presidente Václav Havel e, posteriormente, secretário-geral da Conferência Episcopal Checa.
Em 2017, a convite do arcebispo de Luanda e presidente da Conferência Episcopal Católica Angolana, Mons. Filomeno Dias, o teólogo Tomáš Halík participou no congresso de teólogos africanos e europeus, em Luanda, com a conferência A Arte de Ler os Sinais do Tempo. Hermenêutica Teológica da Cultura Contemporânea. Recordo-me de terminar a sua comunicação, pedindo a todos um apoio ao Papa Francisco que, na altura, estava a ser muito contestado.
Agora, de tudo o que já li sobre a significação bélica, política, cultural e religiosa da invasão da Ucrânia pela Rússia de Putin, nada me pareceu tão elucidativo como o referido ensaio para ajudar a discussão deste tema central nos tempos ameaçadores que se aproximam.
Está em sintonia com os bispos do mundo inteiro, com leigos, religiosos e religiosas que louvaram a entrada em vigor, a 22 de Janeiro de 2021, do Tratado da ONU sobre a Proibição de Armas Nucleares. Definiram este acontecimento histórico como um acto de justiça e de paz.
Os prelados destacaram a liderança que Francisco está a exercer em favor do desarmamento nuclear: durante sua histórica visita às cidades bombardeadas de Hiroshima e Nagasaki, em Novembro de 2019, o Papa condenou o uso e a posse de armas nucleares por qualquer Estado.
Tomáš Halík não é só fruto da cultura contemporânea, mas um grande actor e produtor da nova teologia.
Importa esclarecer que, na sua vasta produção teológica, no seio da nova criatividade cultural, dentro da história concreta da guerra ameaçadora e da paz, ele não é apenas um estudioso das correntes espirituais e culturais, mas um dos poucos que estão a trazer algo de novo que torne a teologia capaz de oferecer, aos cristãos e aos não cristãos, um instrumento para repensar o papel dos cristãos numa situação decisiva do futuro da humanidade.

2. Verifica, no referido ensaio, que as palavras proféticas do Papa Francisco se tornaram realidade: “Vivemos não uma época de mudanças, mas uma mudança de época”. Há muito que o Papa Francisco fala do nosso tempo como sendo uma “Terceira Guerra Mundial fragmentada”. Neste momento, até o porta-voz de Putin diz que a III Guerra Mundial começou. Talvez seja a sua única afirmação verdadeira.
Ganha forma um novo mapa geopolítico do mundo, uma nova ordem mundial, surge um novo clima moral nas relações internacionais, políticas, económicas e culturais. Deparamos com a necessidade de adoptar um novo e mais simples estilo de vida. Começa um novo capítulo da História.
Para entender o alcance das análises e afirmações do próprio Tomáš Halik e para o não trair ou atenuar, o melhor é dar-lhe a palavra.
Desde o início deste milénio, a ordem democrática ocidental tem sido submetida a uma série de testes, cada vez mais difíceis, de resiliência, durabilidade e credibilidade: o ataque terrorista em Manhattan, a crise financeira, o “Brexit”, a administração populista de Donald Trump, a pandemia global do coronavírus, agora a agressão russa, a destruição cínica do sistema de direito internacional construído após a Segunda Guerra Mundial.
Segundo ele, a cegueira e a ingenuidade dos políticos europeus, guiados apenas por interesses económicos, contribuíram para que a Rússia se tornasse um Estado terrorista que se excluiu do mundo civilizado com a ocupação da Crimeia e o atual genocídio na Ucrânia e que, agora, chantageia e ameaça.
Ainda não sabemos como o isolamento internacional, a pobreza e a humilhação vão afectar a sociedade russa, privada de liberdade de informação, tendo sofrido uma lavagem ao cérebro através da propaganda e sendo alimentada pela nostalgia do império soviético.
Não sabemos se esta situação vai levar a uma fraca oposição democrática ou se, pelo contrário, vai despertar um fanático movimento nacionalista-fascista, como aconteceu na Alemanha após a Primeira Guerra Mundial. A única coisa certa é que, mesmo depois do fim da guerra na Ucrânia, o mundo não voltará à forma que tinha no início deste ano.
A frente decisiva nesta guerra é a opinião pública na Rússia, que tem sido privada de liberdade de informação e sujeita a uma intensa lavagem cerebral pela propaganda de mentiras. O aliado mais importante do regime de Putin e da sua ideologia imperialista-nacionalista é o analfabetismo político de grande parte da população russa, a falta de uma experiência positiva democrática e, acima de tudo, a ausência de uma sociedade civil.
Em muitos países pós-comunistas, foram alguns membros das elites dos regimes comunistas politicamente derrotados – especialmente a sua componente mais capaz, a polícia política –, os mais rápidos a embarcar no elevador da globalização e a chegar ao topo do poder e da riqueza; eram praticamente os únicos que estavam preparados para as mudanças político-económicas tendo capital de dinheiro, de contactos e de informação. Vladimir Putin é um excelente exemplo destas elites.
O primeiro sinal do despertar da sociedade civil na Europa oriental foram as “revoluções coloridas”; a principal razão de Putin levar a cabo a sua agressão foi o medo de que a faísca do renascimento da sociedade civil se estendesse à Rússia. O fim da era Putin na Rússia não será um eventual golpe palaciano por parte de oligarcas ou generais, mas sim o despertar da sociedade civil, como aconteceu agora na Ucrânia.
Se o Ocidente não está disposto ou é incapaz de ajudar a Ucrânia de modo a travar a agressão russa e a defender a sua independência, se o Ocidente sacrificar a Ucrânia com base na falsa ilusão de que isso salvará a paz mundial – como aconteceu no caso da Checoslováquia no limiar da Segunda Guerra Mundial –, isso será um incentivo não só para uma maior expansão da Rússia, mas para todos os ditadores e agressores em todo o mundo.

3. Tomáš Halik não é um comentador. É um criador no seio das culturas modernas e contemporâneas.
Em Portugal, o fenómeno religioso teve e tem as suas particularidades observadas no acontecimento maior do nosso catolicismo.
Como mostrou o Prof. Alfredo Teixeira, Fátima contribuiu para a individualização e a destradicionalização modernas da religião em Portugal [1]. Em Fátima, cada um sabe onde lhe dói e onde é aliviada a sua dor. Fátima não impõe nada. Fátima é o nosso hospital de campanha.

Frei Bento Domingues no PÚBLICO

[1] Cf. Alfredo Teixeira, Religião na sociedade portuguesa, Fundação Francisco Manuel dos Santos, 2019, p. 50

Etiquetas

A Alegria do Amor A. M. Pires Cabral Abbé Pierre Abel Resende Abraham Lincoln Abu Dhabi Acácio Catarino Adelino Aires Adérito Tomé Adília Lopes Adolfo Roque Adolfo Suárez Adriano Miranda Adriano Moreira Afonso Henrique Afonso Lopes Vieira Afonso Reis Cabral Afonso Rocha Agostinho da Silva Agustina Bessa-Luís Aida Martins Aida Viegas Aires do Nascimento Alan McFadyen Albert Camus Albert Einstein Albert Schweitzer Alberto Caeiro Alberto Martins Alberto Souto Albufeira Alçada Baptista Alcobaça Alda Casqueira Aldeia da Luz Aldeia Global Alentejo Alexander Bell Alexander Von Humboldt Alexandra Lucas Coelho Alexandre Cruz Alexandre Dumas Alexandre Herculano Alexandre Mello Alexandre Nascimento Alexandre O'Neill Alexandre O’Neill Alexandrina Cordeiro Alfred de Vigny Alfredo Ferreira da Silva Algarve Almada Negreiros Almeida Garrett Álvaro de Campos Álvaro Garrido Álvaro Guimarães Álvaro Teixeira Lopes Alves Barbosa Alves Redol Amadeu de Sousa Amadeu Souza Cardoso Amália Rodrigues Amarante Amaro Neves Amazónia Amélia Fernandes América Latina Amorosa Oliveira Ana Arneira Ana Dulce Ana Luísa Amaral Ana Maria Lopes Ana Paula Vitorino Ana Rita Ribau Ana Sullivan Ana Vicente Ana Vidovic Anabela Capucho André Vieira Andrea Riccardi Andrea Wulf Andreia Hall Andrés Torres Queiruga Ângelo Ribau Ângelo Valente Angola Angra de Heroísmo Angra do Heroísmo Aníbal Sarabando Bola Anselmo Borges Antero de Quental Anthony Bourdin Antoni Gaudí Antónia Rodrigues António Francisco António Marcelino António Moiteiro António Alçada Baptista António Aleixo António Amador António Araújo António Arnaut António Arroio António Augusto Afonso António Barreto António Campos Graça António Capão António Carneiro António Christo António Cirino António Colaço António Conceição António Correia d’Oliveira António Correia de Oliveira António Costa António Couto António Damásio António Feijó António Feio António Fernandes António Ferreira Gomes António Francisco António Francisco dos Santos António Franco Alexandre António Gandarinho António Gedeão António Guerreiro António Guterres António José Seguro António Lau António Lobo Antunes António Manuel Couto Viana António Marcelino António Marques da Silva António Marto António Marujo António Mega Ferreira António Moiteiro António Morais António Neves António Nobre António Pascoal António Pinho António Ramos Rosa António Rego António Rodrigues António Santos Antonio Tabucchi António Vieira António Vítor Carvalho António Vitorino Aquilino Ribeiro Arada Ares da Gafanha Ares da Primavera Ares de Festa Ares de Inverno Ares de Moçambique Ares de Outono Ares de Primavera Ares de verão ARES DO INVERNO ARES DO OUTONO Ares do Verão Arestal Arganil Argentina Argus Ariel Álvarez Aristides Sousa Mendes Aristóteles Armando Cravo Armando Ferraz Armando França Armando Grilo Armando Lourenço Martins Armando Regala Armando Tavares da Silva Arménio Pires Dias Arminda Ribau Arrais Ançã Artur Agostinho Artur Ferreira Sardo Artur Portela Ary dos Santos Ascêncio de Freitas Augusto Gil Augusto Lopes Augusto Santos Silva Augusto Semedo Austen Ivereigh Av. José Estêvão Avanca Aveiro B.B. King Babe Babel Baltasar Casqueira Bárbara Cartagena Bárbara Reis Barra Barra de Aveiro Barra de Mira Bartolomeu dos Mártires Basílio de Oliveira Beatriz Martins Beatriz R. Antunes Beijamim Mónica Beira-Mar Belinha Belmiro de Azevedo Belmiro Fernandes Pereira Belmonte Benjamin Franklin Bento Domingues Bento XVI Bernardo Domingues Bernardo Santareno Bertrand Bertrand Russell Bestida Betânia Betty Friedan Bin Laden Bismarck Boassas Boavista Boca da Barra Bocaccio Bocage Braga da Cruz Bragança-Miranda Bratislava Bruce Springsteen Bruto da Costa Bunheiro Bussaco Butão Cabral do Nascimento Camilo Castelo Branco Cândido Teles Cardeal Cardijn Cardoso Ferreira Carla Hilário de Almeida Quevedo Carlos Alberto Pereira Carlos Anastácio Carlos Azevedo Carlos Borrego Carlos Candal Carlos Coelho Carlos Daniel Carlos Drummond de Andrade Carlos Duarte Carlos Fiolhais Carlos Isabel Carlos João Correia Carlos Matos Carlos Mester Carlos Nascimento Carlos Nunes Carlos Paião Carlos Pinto Coelho Carlos Rocha Carlos Roeder Carlos Sarabando Bola Carlos Teixeira Carmelitas Carmelo de Aveiro Carreira da Neves Casimiro Madaíl Castelo da Gafanha Castelo de Pombal Castro de Carvalhelhos Catalunha Catitinha Cavaco Silva Caves Aliança Cecília Sacramento Celso Santos César Fernandes Cesário Verde Chaimite Charles de Gaulle Charles Dickens Charlie Hebdo Charlot Chave Chaves Claudete Albino Cláudia Ribau Conceição Serrão Confraria do Bacalhau Confraria dos Ovos Moles Confraria Gastronómica do Bacalhau Confúcio Congar Conímbriga Coreia do Norte Coreia do Sul Corvo Costa Nova Couto Esteves Cristianísmo Cristiano Ronaldo Cristina Lopes Cristo Cristo Negro Cristo Rei Cristo Ressuscitado D. Afonso Henriques D. António Couto D. António Francisco D. António Francisco dos Santos D. António Marcelino D. António Moiteiro D. Carlos Azevedo D. Carlos I D. Dinis D. Duarte D. Eurico Dias Nogueira D. Hélder Câmara D. João Evangelista D. José Policarpo D. Júlio Tavares Rebimbas D. Manuel Clemente D. Manuel de Almeida Trindade D. Manuel II D. Nuno D. Trump D.Nuno Álvares Pereira Dalai Lama Dalila Balekjian Daniel Faria Daniel Gonçalves Daniel Jonas Daniel Ortega Daniel Rodrigues Daniel Ruivo Daniel Serrão Daniela Leitão Darwin David Lopes Ramos David Marçal David Mourão-Ferreira David Quammen Del Bosque Delacroix Delmar Conde Demóstenes

Arquivo do blogue

Arquivo do blogue