de Manuel Alte da Veiga
Manuel Alte da Veiga
Professor aposentado do ensino universitário.
“Rezar” só para pedir que tudo corra a nosso gosto faz lembrar a crítica de Jesus, na linha de tantos salmos e avisos de profetas: “Este povo louva-me com os lábios mas o seu coração está longe de mim.”
À pandemia seguiu-se a seca e rebentou Putin. O mais grave, porém, é que todos nos comportámos como sentinelas ensonadas – até por conveniência pessoal.
Ao pedir ajuda a Deus, será que damos a devida importância ao reconhecimento da culpa que nos cabe – por actos, pensamentos e omissões?
Em vez de encobrir os erros e comportamentos irresponsáveis do passado, precisamos de palavras sinceras e reflectidas sobre como deles tirar a devida lição. Ou será que achamos não valer a pena arranjar coragem para enfrentar a verdade e agir coerentemente? Ou que nos paralisa o medo de desagradar aos fanáticos e poderosos adoradores do Dinheiro – esses que são o mais terrível flagelo da Humanidade?
Contudo, sabemos que cada qual recebe de Deus um ou mais “talentos”, que hoje significam capacidades de trabalho produtivo. Esta imagem traduz o sentimento de que viemos a este mundo e dele saímos sem sermos previamente consultados – mas com a missão de pôr a render a “energia vital” que transparece em cada ser humano.
Ao longo da História, só muito lentamente nos fomos dando conta de que todos nós, por mais insignificantes ou inúteis que pareçamos, somos imprescindíveis para a evolução da Humanidade. Todos somos transmissores dessa energia vital. E todos concorremos para mutuamente estimular a capacidade intelectual, criativa e afectiva, que permita analisar e intervir nos graves problemas que nos afectam.
Toda a Humanidade deve desejar que nenhuma vida humana seja abafada e que proteger cada ser humano é promover o bem comum.
“Rezar” só para pedir que tudo corra a nosso gosto faz lembrar a crítica de Jesus, na linha de tantos salmos e avisos de profetas: “Este povo louva-me com os lábios mas o seu coração está longe de mim.”
Recordo a entrevista a um pescador a propósito da poluição da ria de Faro: nunca referiu o problema central da enorme área poluída nem a responsabilidade de todos e de cada um; apenas chorava pelo seu cantinho.
Facilmente esquecemos o verdadeiro e sólido enriquecimento que nasce do pensamento, da técnica e das instituições sociais, nomeadamente as de função educativa. Enterramos os talentos com que podíamos evitar tragédias climáticas e as guerras que nascem da ignorância e do irracional poder destruidor. Por comodismo, ficamos pelas vistas curtas.
A oração, porém, é um tempo especial em que nos dispomos a acolher a Força do Espírito de Deus – fonte de prazer, de comunicação sincera, de investigação e criatividade. Ganhamos o discernimento da melhor coordenação para o Bem Comum e a descobrir as bases sólidas de uma Casa onde ninguém fica abandonado.
Em concordância com as nossas “fraquezas”, terminarei “metendo uma cunha” ao Senhor Jesus (que nos evangelhos até parece gostar) – e que nos incitou a construir sobre alicerces que nenhuma calamidade possa destruir.
Professor aposentado do ensino universitário.
NOTA: Reflexão publicada no Correio do Vouga e no site Sete Margens