para o Domingo III do Tempo Comum
A pandemia, paradoxalmente, refina o desejo de partilhar da “ceia do Senhor”, fonte e ápice da vida cristã, sacramento dos sacramentos, lugar experimental de um novo modo de viver na Igreja e no mundo
A leitura que Jesus faz na sinagoga de Nazaré, sua terra de referência, desperta a atenção da assembleia, a ponto de todos ficarem encantados e fixarem nele o olhar. A que se deverá esta atenção expectante dos presentes e esta fixação convergente de olhares? Lc 1, 1-4: 4, 14-21.
Ao facto de ser um conterrâneo recém-chegado a fazer a leitura, ele que regressava do rio Jordão, onde se tinha feito baptizar, começando a sua vida pública? Ao texto escolhido e proclamado, certamente bem conhecido, pois faz parte do livro escrito por um profeta anónimo, pelos anos 537-520 e colocado sob a autoridade de Isaías? À mensagem tão contrastante, então como agora, que convida a uma viragem interior completa: os desanimados para alimentarem a esperança, os abandonados para acreditarem que são reintegrados, os pobres e oprimidos para confiarem na libertação que se aproxima? Ao jeito e à posição de Jesus que atraía e insinuava a boa notícia contida na passagem anunciada? À afirmação inicial da sua homilia: “Hoje, cumpriu-se a mensagem da Escritura que acabais de ouvir”?.
A admiração da assembleia cresce visivelmente quando Jesus se senta e declara realizada esta “velha” profecia. As suas palavras cheias de encanto suscitam a par de admiração, interrogações mais profundas e iluminam a situação das nossas celebrações litúrgicas, o possível estado de ânimo dos participantes, a atitude de quem exerce ministérios e serviços. O acontecido na sinagoga também projeta luz sobre os membros da assembleia, as pessoas presentes e seu (des)interesse no que vai decorrendo.
“Na missa, anota Patrice Dunois-Canette, jornalista francês especializado em aconselhamento e formação em laicidade e religiões. nós ficamos entediados. E certamente não são suficientes os “conselhos” para não se entediar…” É necessário “passar da missa à eucaristia, fazer com que todos, mulheres e homens, juntos, sejam celebrantes; permitir que se celebrem as cores, os odores, os sons de uma antecipação que faz viver o céu na terra; fazer da ceia eucarística a matriz de um mundo novo, de uma criação que continua. E acrescenta na sua oportuna reflexão: A pandemia, paradoxalmente, refina o desejo de partilhar da “ceia do Senhor”, fonte e ápice da vida cristã, sacramento dos sacramentos, lugar experimental de um novo modo de viver na Igreja e no mundo”.
Regressando à sinagoga, reconhece-se facilmente que a mensagem proclamada constitui o programa/manifesto da missão de Jesus. Lucas coloca-o no início da vida pública para servir de pórtico e facilitar a compreensão de tudo quanto vai dizer e fazer. Esta declaração emblemática destaca a centralidade da pessoa e a circunstância em que vive, o amor de predilecção que Deus tem por cada uma e por todas, o alívio do sofrimento e da humilhação, a recuperação da dignidade perdida pelo pecado pessoal agravado pelo ambiente cultural, a reposição da igualdade original simbolizada no ano da graça jubilar.
O Papa Francisco convida-nos, mais uma vez, a celebrar o Domingo da Palavra de Deus que este ano ocorre, hoje, dia 23 de Janeiro. É uma oportunidade para redescobrirmos a beleza e os ensinamentos da Bíblia. Partilhando a missão de despertar a consciência das Escrituras na vida pessoal e comunitária. “O nosso objetivo é que as famílias, os catequistas, os jovens e os movimentos eclesiais a adquiram, acreditando que a leitura dos Evangelhos e a recitação/oração dos Salmos fortalecem o sentido da presença de Deus nas nossas vidas e no serviço aos outros”, esclarece o Secretariado Nacional da Educação Cristã que se associa ao apelo do Papa apresentando e promovendo, junto das Paróquias, a Bíblia da CEP (Os Quatro Evangelhos e os Salmos)”.
O evangelho/boa nova não é evasão da realidade. É antes o anúncio alegre e auspicioso da humanidade chamada a realizar a sua vocação plena, a contemplar, de “olhos” abertos, a dignidade, a liberdade de todos e de cada um, a ser mensageiros de Deus amigo e não concorrente do homem/mulher na busca da verdade, do bem, da vida feliz. A profecia começa a ser cumprida. Agora tem de ser prosseguida. Em Nazaré, os olhos estavam bem abertos e fixos em Jesus. E hoje estão cravados nos cristãos, seus discípulos, em nós e na Igreja que somos, nas celebrações que fazemos e no testemunho que damos.
Pe. Georgino Rocha