no Diário de Notícias
Papa Francisco em entrevista à rádio Cope |
Foi nestes termos - "Eu sou um pecador que procura fazer o bem" - que o Papa Francisco se definiu numa longa entrevista à rádio Cope, Espanha, a primeira depois da operação que lhe tirou 33 centímetros de intestino. "Levo uma vida totalmente normal", "como o que quero", "continuo vivo". E não pensa em renunciar, mesmo se "sempre que um Papa está doente corra uma brisa ou um furacão de Conclave", a pensar na eleição de um novo Papa. "Nem me passou pela cabeça". E vai continuar com as reformas, tudo o que foi pedido pelos cardeais antes da sua inesperada eleição. "Creio que ainda há várias coisas por fazer, mas não há nada de inventado por mim. Estou apenas a obedecer ao que se estabeleceu na altura, embora talvez alguns não se tenham apercebido do que estavam a dizer ou de que as coisas eram tão graves...". As viagens vão continuar normalmente - as próximas são à Hungria e Eslováquia. A propósito, estará amanhã na Hungria, no encerramento do Congresso Eucarístico; neste contexto, o jornalista perguntou-lhe como será o encontro com o primeiro-ministro Viktor Orbán, e Francisco: "uma das coisas que tenho é não andar com livreto: quando estou diante de uma pessoa, olho-a nos olhos e deixo que as coisas fluam...".
O diabo anda à solta no Vaticano? Francisco riu-se e respondeu que ele anda por todo o lado, também no Vaticano, mas tem sobretudo medo dos "diabos educados": "tocam à campainha, pedem licença, entram em casa, fazem-se amigos..., tenho pavor aos diabos educados. São os piores, e a gente engana-se muito, muito."
Sobre a corrupção no Vaticano: "é preciso evitar isso por todos os meios, mas é uma história antiga". Quer que a Justiça se torne mais independente, eficaz... "Este é o caminho, não tenho medo da transparência nem da verdade. Por vezes dói e muito, mas é a verdade que nos torna livres". A propósito do julgamento iminente do cardeal Becciu: "Quero de todo o coração que seja inocente..., mas é a Justiça que vai decidir."
Sobre a pedofilia do clero, evidentemente, "tolerância zero". Presta homenagem ao Cardeal O"Malley, de Boston, que está na base da Comissão de Defesa de Menores. Desgraçadamente, é um drama na Igreja, mas, infelizmente - veja-se as estatísticas -, não é só na Igreja, é "um problema mundial e grave". E fala sobre a pornografia infantil: "Pergunto-me às vezes como é que certos governos permitem a produção de pornografia infantil. Que não digam que não sabem. Hoje, com os serviços secretos, sabe-se tudo. Para mim, é das coisas mais monstruosas que vi."
Sobre a reforma da Cúria, fala em "ajustes" (por exemplo, junção de Dicastérios (Ministérios), com um leigo ou leiga à frente...), não de revolução. Está-se a trabalhar na Constituição Apostólica Praedicate Evangelium (Anunciai o Evangelho): "o último passo é eu lê-la - e tenho de lê-la, pois tenho de assiná-la e tenho de lê-la palavra a palavra -, não vai ter nada de novo em relação ao que se está a ver já."
Sobre as "missas tridentinas" (em latim e de costas para o povo), diz que ele não é de "dar murros na mesa, não consigo, até sou tímido". Mas impôs limites. E quer que "a proclamação da Palavra seja na língua que todos entendam; o contrário é rir-se da Palavra de Deus". Sobre o "Caminho Sinodal" da Igreja na Alemanha, atendendo aos receios da Cúria, diz que não se colocaria numa atitude "demasiado trágica". "Em muitos Bispos com quem falei não há má vontade. É um desejo pastoral, mas há que ter em conta algumas coisas que eu explico numa carta."
Sobre a ecologia, afirma que é "um convertido", pois durante demasiado tempo não prestou atenção. Quando se apercebeu, convocou "um grupo de cientistas que me expuseram os problemas reais, não as hipóteses. Apresentaram-me um belo catálogo e com razões. Passei-o a teólogos que reflectiram sobre isso. E assim se foi preparando a Laudato Sí." E estará em Glasgow, que espera "nos meta mais na linha".
A propósito de uma pergunta sobre a eutanásia, pede que nos situemos: "Estamos a viver uma cultura do descarte. O que não serve deita-se fora. Os velhos são material descartável: incomodam. Os doentes mais terminais, também, os bebés não desejados, também, e são mandados para o remetente antes de nascer." Depois, quando se pensa nas periferias, temos "o descarte de povos inteiros. Pense nos rohingyas...". Quanto aos migrantes: "A minha resposta seria: quatro atitudes: acolher, proteger, promover, integrar. Vou à última: acolhidos, se não são integrados, são um perigo, porque se sentem estranhos." Mas também eles têm de se integrar, digo eu.
Sobre a Europa: "Para mim, a unidade da Europa neste momento é um desafio. Ou a Europa continua a aperfeiçoar e a melhorar na União Europeia ou desintegra-se." E que pense no inverno demográfico, com a inversão da pirâmide das idades. Quanto ao Afeganistão: "É uma situação difícil. Pelo que se vê, não se tiveram em conta - parece, não quero julgar - todas as eventualidades". Sobre a China: "O que à China se refere não é fácil, mas estou convencido de que não se deve renunciar ao diálogo. Podem enganar-te no diálogo, podes equivocar-te, tudo isso..., mas é o caminho. O fechamento nunca é caminho." O mesmo quanto ao islão...
As suas maiores desilusões? "Tive várias na vida e isso é bom, pois fazem-nos aterrar de emergência. O problema está em levantar-se... Creio que perante uma guerra, uma derrota, um fracasso ou o próprio pecado, o problema é levantar-se e não permanecer caído."
Anselmo Borges no DN
Padre e professor de Filosofia.
Escreve de acordo com a antiga ortografia