Reflexão de Georgino Rocha
para o Domingo XXI do Tempo Comum
O discurso do pão da vida atinge o auge, no desabafo de Jesus, após o ensinamento na sinagoga de Cafarnaum, que João formula na pergunta dirigida aos Apóstolos: “E vós também quereis ir-vos embora?” A preocupação manifesta um receio fundado. A multidão saciada no descampado, os acompanhantes nos caminhos da Galileia, os ouvintes dos seus discursos junto ao mar iam diminuindo. O risco é evidente e virá a ser concretizado na paixão pelo resto fiel. A pergunta incisiva e direta, iluminada pelo brilho do olhar, provoca a resposta pronta e eloquente de Pedro: “A quem iremos, Senhor? Tu tens palavras de vida eterna”. Esta decisão de ficar e andar com Jesus, Senhor, terá as suas consequências surpreendentes no futuro. Jo 6, 60-69.
Jesus e Pedro surgem como o rosto pessoal da relação com Deus. Constituem as duas faces da realidade mais profunda da consciência: acolher a oferta, dar-se em liberdade; escutar a palavra, abrir-se à verdade; identificar o dom e fazer-se doação.
“Sinto um aperto no coração, confessa um padre italiano ao rever os 25 anos da sua caminhada vocacional e pastoral. E aduz várias razões que se mantém pertinentes (também entre nós) e dão origem à carta com o título «Igreja em retirada”. Cito algumas: perda de alegria, humor e esperança, redução acentuada de presenças nas assembleias dominicais, diminuição e envelhecimento do clero, emparcelamento de paróquias (com este ou outro nome), pastoral juvenil quase ausente, opacidade da irradiação do testemunho cristão, especialmente na sociedade plural em desagregação… “É verdade, reconhece, que não se deve olhar para trás com saudade. O que foi, foi. Não escondo que não seja fácil para mim…
É possível seguir para o ocaso de muitas maneiras. Perdendo um pedaço de cada vez… Ou deixando atrás de si um rastro de sementes preciosas, como uma espécie de bênção. E quem sabe que um dia, quando as condições permitirem, essas sementes não poderão novamente brotar. Carta enviada à Settimana News, 05-08-2021.
“Também vós quereis ir-vos embora?” Jesus vê-se rodeado do último reduto: o grupo apostólico, pois a multidão, os judeus e muitos dos discípulos já o haviam abandonado. Pelas mais diversas razões: desilusão das expectativas, afirmações controversas, linguagem dura e insuportável. E a pergunta continua actual. E a realidade, também: a desilusão dos que procuram um Jesus/Deus mágico, pronto a servir, substituto do homem, ainda que para isso seja preciso anular a sua liberdade responsável; a controvérsia em torno das “velhas” questões como o conflito fé-ciência, confundindo métodos e níveis de reflexão e outros; linguagem dura, reduzida ao sentido literal, linear, e esquecendo o alcance do simbólico, mais adequado para nos abrir ao mistério e ao transcendente. Sem esquecer outras razões – que as há e sérias – no panorama actual Deus parece irrelevante, Jesus aceita-se como bom guru, a Igreja dilui-se como comunidade de fiéis cristãos, o Evangelho perde a “cafeína social” e o catolicismo dissolve-se na (quase) insignificância.
Jesus não suaviza nenhuma palavra para manter os apóstolos, nem para fazer regressar os que se haviam ido ou angariar novos seguidores. Mantém a clareza da fé que é libertadora e honesta. E o Papa Francisco afirma: “Os cristãos têm o dever de o anunciar, sem excluir ninguém, e não como quem impõe uma nova obrigação, mas como quem partilha uma alegria, indica um horizonte estupendo, oferece um banquete apetecível. A Igreja não cresce por proselitismo, mas «por atracção».
“A quem iremos, Senhor?” Interroga-se a Igreja e a humanidade pela voz de Pedro e dos outros apóstolos ao longo dos tempos. Todos nos dão respostas efémeras e nos “servem” produtos de pouca duração. A história constitui o memorial deste valor reduzido. A fé e a experiência de quem nos precedeu, acumulada em sabedoria, mostra-nos à evidência que só “Tu tens palavras de vida eterna”, consistentes e definitivas, firmes e credíveis. E testemunha-o o exemplo heroico de tantas pessoas bondosas e de muitos santos e mártires. De todas as condições sociais e étnicas.
Pe. Georgino Rocha