Reflexão de Georgino Rocha
para a festa de São João
A alegria do nascimento de João irrompe na família e estende-se na aldeia e nos arredores: a mãe Isabel contempla o menino, concebido na sua velhice, o pai Zacarias liberta-se da mudez e entoa um dos hinos bíblicos mais belos, os parentes congratulam-se com a vitória da fecundidade sobre a esterilidade, os vizinhos entram em alvoroço e fazem comentários auspiciosos, todos os que ouvem a narração dos factos alimentam, no coração, a esperança de saber o futuro da criança-surpresa. Esta alegria vive-se, ainda hoje, nos festejos populares, com tantos matizes, na poesia e na arte, nas orações e celebrações litúrgicas. Por vezes, com humor muito discutível e até “lesivo” da honra do santo e de alguns dos seus devotos. Lc 1, 57-66.80.
O nascimento de João é, antes de mais, um hino à vida humana, à vida da família e da vizinhança, à vida em sociedade, à vida aberta ao futuro. Surge em tempo-surpresa, fruto da união esponsal de Isabel e de Zacarias, aceite como bênção de Deus que reanima as forças biológicas envelhecidas e as fertiliza. Ocorre em circunstâncias especiais, concentrando o valor de um facto histórico e o recheio de um símbolo qualificado. Comporta uma esplêndida mensagem que fica para sempre, como sentido profundo da geração filial, do envolvimento familiar e social, da cooperação humana e da acção divina. O filho, sendo fruto do amor dos pais, tem identidade própria e constitui um bem autónomo, integrado naturalmente na família e inserido na sociedade. Recebe a vida como dom que se fará doação generosa, mediante a educação e a convivência, mediante o autoconhecimento que gere os contributos que adquire e lhe chegam da cultura dos saberes aprendidos e assimilados.
“O dia de São João Batista recorda-nos a todos o momento em que se inicia uma das mudanças mais decisivas na história da humanidade, afirma J. J. Castillo. João Batista é o único santo do qual a Igreja celebra o nascimento… o que deve reter a atenção do crente é que com a chegada do Batista a este mundo, fecha-se uma etapa na história das tradições religiosas e se abre outra: «A Lei e os Profetas chegaram até João Batista, desde então anuncia-se o reino de Deus» Lc 16, 16; Mt 11, 13”.
O nome de João e as circunstâncias em que surge têm um alcance que ultrapassa a semântica, já de si muito rica. O pai Zacarias, após sentir a língua solta, desvenda este alcance no cântico-compêndio que pronuncia como reconhecimento e louvor. Deus tem misericórdia do seu povo, chama-o a ser livre e santo, a servir a causa da justiça, todos os dias da sua vida, a iluminar os que estão prostrados nas trevas da opressão, da ignorância e do erro, a dirigir os passos da humanidade nos caminhos da paz. Este cântico-mensagem faz parte da oração da Igreja como memória e profecia, a urgirem o seu cumprimento em todas as situações históricas da humanidade.
O menino João será a voz que proclama esta mensagem jubilosa. Ele é o precursor de Jesus, anunciará a sua chegada como profeta do Reino, preparará o seu acolhimento como mestre da Palavra que cura e salva. Desempenhará uma nobre missão contida em gérmen no seu próprio nome. Recomenda, vivamente, que sejam aplanados os caminhos desnivelados na escala social, pela ganância dos poderosos, para que os mais débeis possam andar; que se elevem os vales onde estão retidos os “sem-abrigo”, os desempregados e excluídos, e tantos outros; que se rebaixem os cimos dos montes onde impera a soberba orgulhosa e egoísta, a vingança traiçoeira; que se endireite o que está retorcido e produz desigualdades injustas, a fome e a miséria.
Aos que aceitavam a mensagem, assinalava-os com o rito da água no rio Jordão, expressão do novo sentido da fé e da nova expectativa do Messias.
O Papa Francisco no encontro com os diáconos de Roma lembra que a lógica do rebaixamento deve prevalecer na Igreja. Foi assim com Jesus que se fez servo de todos. “Recordemos, por favor, que sempre para os discípulos de Jesus amar é servir e servir é reinar…Os diáconos são servos cuidadosos que dão o melhor de si para que ninguém seja excluído do amor do Senhor e toque a vida das pessoas de maneira concreta”
João Baptista prepara corações “bem dispostos” para Jesus lançar os alicerces da convivência social alicerçada na nova relação com Deus. Guiado pelo lema da sua vida – importa que Ele cresça e eu diminua – supera as expectativas dos que se interrogam sobre o futuro do menino recém-nascido, manifesta-se homem íntegro, ao longo de toda a vida, e sela, com o martírio de sangue imposto por Herodes, a fidelidade à verdade do amor conjugal e a liberdade da consciência esclarecida pelo desempenho da missão recebida.
Pe. Georgino Rocha