quarta-feira, 10 de março de 2021

Painel profético

Editorial do "Correio do Vouga": 
Uma reflexão sobre a visita do Papa ao Iraque

Aiatola al-Sistani com o Papa Francisco 


Querubim Silva 
A primeira ideia que me ocorreu foi esta: o editorial desta semana deve ser uma página de silêncios, onde fale a policromia profética dos gestos do Papa Francisco destes dias no Iraque. A começar pelo pano de fundo da coragem de partir de Roma para um País destruído pela guerra, com múltiplos subterrâneos de corações armadilhados, assolado pela pandemia.
É o próprio Francisco que, no voo de regresso a Roma, justifica a sua decisão corajosa. «Pensei muito, rezei muito sobre isto e no fim tomei a decisão, que vinha verdadeiramente de dentro. E disse que Aquele [Deus] que me deixa decidir assim, trate das pessoas. Mas depois da oração e com consciência dos riscos". E referiu também como fator importante o confronto com o relato dos abusos sofridos por Nádia Murad, com quem se encontrou pessoalmente em 2017. "Quando ouvi a Nádia, que veio contar-me coisas terríveis ... Todas essas coisas juntas fizeram a decisão, pensando em todos os problemas, muitos. No final a decisão veio e eu assumia-a".
A peregrinação do Pontífice revestiu a prática simples de um pastor que se assume como "pároco de uma paróquia global:"; de um discípulo que escuta as palavras do Mestre: "Vamos a outras terras, que para isso Eu vim", sem se prender a rotinas e acomodações, sacudindo o pó das sandálias e seguindo para outras paragens.
Em Mossul, na Hosh al-Bieaa, a praça das 4 igrejas - sírio-católica, armeno-ortodoxa, sírio-ortodoxa e caldeia, destruídas pelos ataques terroristas entre 2014 e 2017, o Papa ouviu um sunita e o pároco local. Depois fez uma breve saudação e rezou uma oração pelas vítimas e pelo povo iraquiano. Afirmou que "a trágica redução dos discípulos de Cristo, aqui e em todo o Médio Oriente, é um dano incalculável não só para as pessoas e comunidades envolvidas, mas também para a própria sociedade que eles deixaram para trás. Com efeito, um tecido cultural e religioso assim rico de diversidade é enfraquecido pela perda de qualquer um dos seus membros, por menor que seja, como, num dos vossos artísticos tapetes, um pequeno fio rebentado pode danificar o conjunto". Concluiu a sua saudação afirmando: "Hoje, apesar de tudo, reafirmamos a nossa convicção de que a fraternidade é mais forte que o fratricídio, que a esperança é mais forte que a morte, que a paz é mais forte que a guerra". E rezou assim: "Ajudai-nos a não gastar o tempo ao serviço dos nossos interesses egoístas, pessoais ou coletivos, mas ao serviço do vosso desígnio de amor. E quando nos transviarmos, concedei que possamos dar ouvidos à voz dos verdadeiros homens de Deus e arrepender-nos a tempo, para não nos arruinarmos ainda mais com destruição e morte."
0 diálogo inter-religioso tem sido uma constante preocupação do Bispo de Roma. Também este trabalho se manifestou profético na visita do Pontífice ao Grão Aiatolá, Al Sistani. Aqueles olhares parados, em misterioso diálogo, travaram uma nunca esgotada proximidade e declaração de mútuo respeito, de mútuo compromisso, de comum esperança.
Na mesma linha, se tornou impressionante o encontro inter-religioso realizado na planície de Ur dos Caldeus. Momento fundamental no caminho do entendimento mútuo entre católicos e muçulmanos, momento que dá lógica expressão visível à 'Declaração sobre Fraternidade Humana pela Paz Mundial e Coexistência Comum', assinada em 4 de fevereiro de 2019 pelo Papa Francisco e pelo Grão Imã de Al-Azhar, Ahmad Al-Tayyeb. Aquele horizonte liberto de obstáculos, fez reviver a consciência da nascente cristalina da fé para as três religiões monoteístas - judeísmo, islamismo, cristianismo - com livres caminhos diversos, irrenunciavelmente ligados à mesma fonte.
No final da celebração eucarística no Estádio Franso Hariri, em Erbil, o banho de multidão desta viagem, declarou o Papa: "ouvi vozes de sofrimento e angústia, mas ouvi também vozes de esperança e consolação". Com a proximidade do final da visita histórica ao país, o Papa despediu-se, afirmando: "0 Iraque ficará sempre comigo, no meu coração. Peço a todos vós, queridos irmãos e irmãs, que trabalhem juntos e unidos por um futuro de paz e prosperidade que não deixe ninguém para trás, nem discrimine ninguém."
Este é o conjunto de elementos que desenham e pintam o painel vivamente cromático, fortemente profético, legado inolvidável e provocante, mais um que este Santo Padre nos oferece, para o qual espera a nossa resposta.

QUERUBIM SILVA 
Padre. Diretor do "Correio do Vouga"

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