sábado, 20 de março de 2021

As teses de católicas alemãs

Crónica de Anselmo Borges 
no Diário de Notícias

1. Já toda a gente percebeu ou deveria ter percebido que a Igreja precisa urgentemente de reformas profundas, e elas não podem continuar a ser impostas a partir de cima. Exige-se a participação de todos, exercendo a sinodalidade, como quer o Papa Francisco, isto é, caminhando juntos, nas paróquias, nas dioceses, na Igreja universal - aliás, o próximo Sínodo dos Bispos, em 2022, terá por temática precisamente a sinodalidade.
Neste contexto, a Igreja alemã, com o seu "Caminho Sinodal", tem sido um belo exemplo. Com quatro fóruns de discussão em funcionamento - sobre o poder na Igreja enquanto instituição hierárquica e o seu controlo, a forma de vida dos padres na sociedade actual e o celibato obrigatório, o amor e a moral sexual (já não é tabu falar em bênção para casais homossexuais), a mulher e os ministérios ordenados -, após discussão e aprovação no respectivo fórum, realizar-se-á no próximo Outono a Assembleia Sinodal formal, com 230 delegados (69 membros da Conferência Episcopal), para novos debates e votação.
A Igreja alemã tem consciência dos problemas que se colocam quanto ao futuro do cristianismo e da Igreja. Sabe que é necessário recuperar a confiança depois do escândalo dos abusos sexuais. Conhece as críticas às estruturas de poder, não ignora a questão do celibato e da moral sexual, as exigências das mulheres. Em 2019, 272.771 católicos alemães abandonaram a Igreja. Não ignora que há 500 anos Lutero afixou as famosas 95 teses e que não era sua intenção dividir a Igreja, mas reformá-la como se impunha. O seu apelo não encontrou resposta adequada...
2. Foi neste contexto que, no passado primeiro domingo da Quaresma, surgiram afixadas, nas catedrais e igrejas da Alemanha, sete teses, afirmando os princípios, o que deve ser, e contra o clericalismo, o patriarcalismo, a corrupção na Igreja. Quem as afixou? A iniciativa pertence a um movimento de mulheres católicas, denominado "Maria 2.0", favoráveis a mudanças fundas na Igreja Católica. Dizem assim, textualmente:
"Tese 1. Na nossa Igreja, todas as pessoas têm acesso a todos os ministérios.
Porque os direitos humanos e a Lei Fundamental garantem a todos direitos iguais - só a Igreja Católica o ignora. Ser varão estabelece hoje direitos especiais na Igreja.
Tese 2. Na nossa Igreja, todos participam na sua missão; o poder é partilhado.
Porque o clericalismo é hoje um dos problemas fundamentais da Igreja Católica e favorece o abuso de poder com todas as suas facetas humanamente indignas.
Tese 3. Na nossa Igreja, os actos de violência sexual são investigados exaustivamente e os responsáveis são chamados a contas, as causas combatem-se sistematicamente.
Porque já há demasiado tempo que a Igreja Católica é um cenário de violência sexual. As autoridades eclesiásticas continuam a manter em segredo informações sobre estes crimes violentos e fogem às suas responsabilidades.
Tese 4. A nossa Igreja mostra uma atitude de apreço e reconhecimento de uma sexualidade autodeterminada mais atenta e do casal.
Porque a moral sexual ensinada é alheia à vida e discriminatória. Não se orienta pela imagem cristã da pessoa e já não é tomada a sério pela maioria dos fiéis.
Tese 5. Na nossa Igreja, o modo de vida celibatário não é um pressuposto para o exercício de um ministério ordenado.
Porque a obrigação do celibato impede pessoas de seguir a sua vocação. Quem não é capaz de cumprir este dever vive frequentemente atrás de aparências e vê-se lançado em crises existenciais.
Tese 6. A nossa Igreja funciona segundo princípios cristãos. É a administradora dos bens que lhe são confiados; não lhe pertencem.
Porque a pompa, transacções financeiras duvidosas e o enriquecimento pessoal de decisores eclesiásticos abalaram e diminuíram profundamente a confiança na Igreja.
Tese 7. A nossa missão é a mensagem de Jesus Cristo. Agimos em consequência e enfrentamos os desafios sociais.
Porque a direcção da Igreja perdeu a sua credibilidade. Não consegue fazer-se ouvir de modo convincente e trabalhar por um mundo justo no sentido do Evangelho."
A resposta por parte dos bispos foi a adequada: entenderam as exigências, querem avançar, mas sem criar rupturas. Por exemplo, o bispo de Mainz, P. Kohlgraf, disse: "Não vou retirar o cartaz." Destacou a sua simpatia pelas teses, mas que não se pode caminhar demasiado rápido. O bispo B. Meier, de Augsburgo, declarou aceitar as teses, prometendo abertura para o diálogo.
O porta-voz da Conferência Episcopal, Matthias Kopp, manifestou compreensão. "Sabemos que são necessárias mudanças", "mas não podemos mudar a Igreja da noite para o dia, devemos fazê-lo mediante um diálogo aberto, marcado pela confiança". No entanto, como se impõe, no caso de questões de relevância para a Igreja universal, a Igreja na Alemanha "não adoptará um caminho especial sem Roma".
3. Mudo de continente, evocando uma fotografia: uma irmã da Congregação das Religiosas de São Francisco Xavier, Ann Nu Thawng, ajoelhada, em lágrimas, diante de um pelotão policial em perseguição de manifestantes pacíficos em Myanmar, depois do golpe militar que já fez muitas vítimas mortais. Impressiona a sua coragem e força: a polícia parou e deu a volta. Ela salvou a vida a mais de cem manifestantes. "Ninguém a aplaudirá porque é freira. Mas é outro modo de lutar contra a violência machista", comentou o teólogo José I. González Faus.

Anselmo Borges no DN 

Padre e professor de Filosofia.
Escreve de acordo com a antiga ortografia

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