Reflexão de Georgino Rocha
para o Domingo III do Tempo Comum
“As grandes perguntas que acabam por julgar a qualidade da atividade política pública são ‘Quanto amor coloquei no meu trabalho? Em que fiz progredir o povo? Que marcas deixei na vida da sociedade? Que laços reais construí? Que forças positivas desencadeei? Quanta paz social semeei? Que produzi no lugar que me foi confiado?’”.
Cardeal José Tolentino Mendonça
O evangelho deste domingo, na versão de São Marcos, narra dois episódios diferentes, mas que se interrelacionam profundamente. Dir-se-ia que se trata da “passagem do testemunho”: João Baptista é silenciado e metido na prisão onde será morto; Jesus entra em cena proclamando a Boa Notícia de Deus, dizendo: «O tempo já se cumpriu e o Reino de Deus está próximo. Convertei-vos e acreditai na Boa Notícia». E na sequência deste anúncio, parte para a zona do mar da Galileia, onde encontra homens na faina da pesca: Simão e André, seu irmão, e Tiago e João, filhos de Zebedeu. Viu-os com olhar de benevolência e convida-os a seguirem-no com a garantia: «Farei que vos torneis pescadores de homens». Sem mais explicações. Imediatamente eles deixam tudo e vão com Jesus.
É impressionante a prontidão dos convidados. A sua resposta fica como referência exemplar da atitude de quem é chamado. A sua disponibilidade indicia uma liberdade interior capaz das maiores ousadias. A sua confiança tem apenas como alicerce a força persuasora de quem lhes faz o convite. E, deixando tudo, imediatamente O seguiram. Mc 1, 14-20.
É esta força persuasiva que brilha na Palavra de Deus, que, por vontade do Papa Francisco, é recordada e venerada, hoje, de modo especial.
“O dia dedicado à Bíblia pretende ser, não ‘uma vez no ano’, mas uma vez por todo o ano, porque temos urgente necessidade de nos tornar familiares e íntimos da Sagrada Escritura e do Ressuscitado, que não cessa de partir a Palavra e o Pão na comunidade dos crentes”, precisa o Papa.
Jesus vive uma “hora” complexa. A prisão de João Baptista não augura nada de bom. Risco semelhante pode correr em qualquer momento. É tempo de pensar no futuro e começar a preparar as suas bases, desde já. Caminha à beira-mar e vai sonhando. Olha a grandeza e o encanto do ambiente que o rodeia, o ruído que vem da faina da pesca de uns homens que, diligentemente, lançam as redes. Vê nesta ocorrência a possível solução e a desejada oportunidade: Iniciar “a pesca de homens” a quem, mais tarde, entregaria a sua missão. Entretanto, andariam consigo, veriam o que fazia, estabeleceriam laços de comunhão fraterna, tentariam compreender os ensinamentos e, sobretudo, beneficiariam do seu estilo de vida itinerante, sóbrio e confiante em Deus-Pai. “Habilitavam-se”, tanto quanto pudessem, para o serviço a realizar.
Também ele lança a rede. E o resultado é imediato. Surge o primeiro núcleo apostólico que se alargaria progressivamente. Pedro e André, Tiago e João – pertencentes a duas famílias. Ser pescador de homens constitui uma das imagens conhecidas em Israel, pois era usada para expressar o papel universal e mediador que caberia ao povo amado por Deus, nos tempos messiânicos (Ez 47, 9-11). O chamamento e a indispensável preparação têm um objectivo claro: servir o Reino de Deus que está em curso. Por isso, os vocacionados devem apreender em que consiste, viver e transmitir a sua mensagem, celebrar as suas maravilhas e anunciar o seu crescimento progressivo até à plenitude no futuro em que Deus e o homem selam a comunhão definitiva.
O Papa Francisco insiste na necessidade de “escutar as sagradas Escrituras para praticar a misericórdia: este é um grande desafio lançado à nossa vida. A Palavra de Deus é capaz de abrir os nossos olhos, permitindo-nos sair do individualismo que leva à asfixia e à esterilidade enquanto abre a estrada da partilha e da solidariedade”. E deseja que o “domingo dedicado à Palavra (possa) fazer crescer no povo de Deus uma religiosa e assídua familiaridade com as sagradas Escrituras”.
O reino que Jesus anuncia encontra-se já nas acções que realiza e contém, em gérmen, a sociedade nova respeitadora da vida, assente na verdade e no amor, na justiça e na paz, na liberdade e na igualdade; sociedade aberta a valores que a superam e lhe abrem horizontes novos: a proximidade de Deus que se manifesta como Fonte da bondade e da beleza.
Ao comentar a encíclica «Todos Irmãos», sobre a fraternidade e amizade social, D. José Tolentino afirma: “As grandes perguntas que acabam por julgar a qualidade da atividade política pública são ‘Quanto amor coloquei no meu trabalho? Em que fiz progredir o povo? Que marcas deixei na vida da sociedade? Que laços reais construí? Que forças positivas desencadeei? Quanta paz social semeei? Que produzi no lugar que me foi confiado?’”.
Bela e pertinente série de perguntas, sobretudo para os tempos que correm. O convite de Jesus está feito e é apelativo. A resposta terá de ser pronta e generosa.
Pe. Georgino Rocha