Longe de mim querer minimamente ferir o fascínio da magia divina das narrativas do Natal, mas é natural que a pessoas se perguntem como foi a infância de Jesus, em que data nasceu e onde, quem eram os reis magos, se houve a matança dos inocentes, se Jesus menino foi levado para o Egipto...
É a essas muitas perguntas que vou tentar responder, inspirando-me em parte no exegeta Ariel Álvarez Valdés: Cuál es el origen del diablo? Para descobrir o sentido autêntico e profundo das celebrações natalícias.
1. O Natal é a maior festa do cristianismo? Embora seja a mais popular, e compreende-se — a luz, o calor humano da família e da amizade, a evocação do milagre do nascimento de uma criança... —, o Natal não é a festa maior. A festa central da fé cristã é a Páscoa, que celebra a vida, o anúncio da boa nova do Reino de Deus, a paixão e morte de Jesus e a sua ressurreição: na morte, Jesus não morreu para o nada, na morte encontrou a plenitude da vida em Deus, que é Pai-Mãe. Este é o núcleo da mensagem cristã, como proclamou São Paulo: “Se Cristo não ressuscitou, é vã a nossa fé.”
E é à luz da Páscoa que se compreendem as narrativas do Natal. De facto, no início, os cristãos não se interessaram pelo seu nascimento, pois o essencial era a vida, a morte e a ressurreição.
2. Como apareceu a festa do Natal? Hoje, nenhum historiador sério nega que Jesus existiu realmente. Quando, por volta do séculos III-IV já havia comunidades cristãs espalhadas pelo Império Romano, houve a ideia de transformar a festa pagã do Dies Natalis Solis Invicti (Natal do Sol Invicto), associada ao solstício do Inverno, quando os dias começam a aumentar e com eles a luz solar, na festa do nascimento do Sol dos cristãos, d'Aquele que é o verdadeiro Sol invencível, a Luz verdadeira. A Missa do galo está associada a esta luz, o galo canta, anunciando a aurora.
3. Quando nasceu? Estamos enganados quando dizemos que entrámos no ano 2021 depois de Cristo. De facto, no século VI, quando o cristianismo já se tinha vastamente difundido e Jesus surgia como figura determinante da História, de tal modo que agora o calendário se deveria orientar pela data do seu nascimento: a. C., d. C. (antes de Cristo, depois de Cristo), o monge encarregado de determinar essa data, Dionísio, o Exíguo, enganou-se em 4 ou mesmo 6 anos. Portanto, Jesus, paradoxalmente, nasceu em 4-6 a.C.
4. Nasceu em Belém? Voltamos ao início. O essencial da fé cristã encontra-se na Páscoa. Foi a partir dessa fé que os discípulos leram a vida histórica de Jesus, real, situada num tempo concreto, uma história real, mas lida e interpretada com o olhar da fé. Esta leitura é particularmente visível nos relatos da infância, que só aparecem nos Evangelhos de São Mateus e São Lucas, utilizando um género literário próprio, que projecta e vê no princípio o que sabem no fim: em Jesus cumpriram-se as promessas, Ele é o Messias, o Filho de Deus, o Salvador por todos esperado. Na realidade, Jesus terá nascido em Nazaré: é conhecido por Jesus de Nazaré ou o Nazareno. Mas puseram-no a nascer em Belém: trata-se de mostrar que ele é o verdadeiro Messias e rei, da descendência de David, que era de Belém.
5. São José é o pai de Jesus? A teologia não é um tratado de biologia e anatomia. São Paulo escreverá de modo simples: Jesus, “nascido de mulher”, para dizer que é da nossa raça, que é o que se lê também nos dois evangelistas. Mas Ele é único, especial. Para mostrar que João Baptista é especial, os Evangelhos dirão que foi concebido quando a mãe, Isabel, já não podia ter filhos. Quanto a Jesus, acreditando que Ele é o Filho de Deus, a revelação definitiva de Deus como Pai, escreverão que foi concebido pelo Espírito Santo.
A mãe era Maria, o pai era José. Tinha irmãos e irmãs. Há algum mal em ter uma família numerosa?
6. Como foi a sua infância? Normal e despercebida, de tal modo que, quando aparece em Nazaré, no início da vida pública, a anunciar o Reino de Deus, os seus conterrâneos ficam profundamente admirados a ponto de perguntarem: não é este o carpinteiro, a família dele não vive entre nós?
Certamente, frequentando a sinagoga, Jesus aprendeu a rezar, a escrever e a ler as Escrituras (Antigo Testamento) até aos 12 anos, quando iniciou a aprendizagem do ofício de tekton, artesão, trabalhando com a madeira, a pedra, o ferro: um ofício duro. Trabalhou em vários lugares, o que lhe deu conhecimento da vida, da sua dureza, das relações sociais e dos seus labirintos.
7. O episódio dos reis magos vindos do Oriente, guiados por uma estrela, é dos mais conhecidos e fascinantes para o imaginário colectivo, mas, quando se analisa criticamente todos os dados, realmente não crível historicamente.
O que se passa é que o evangelista compara Jesus com o rei Salomão. Salomão, tão estimado pelos judeus pela sua sabedoria, foi visitado por uma rainha anónima vinda de longe, de Sabá, atraída pela sua fama. Jesus é mais do que Salomão. Ele é a Sabedoria verdadeira, que a todos ilumina. Daí, a visita dos reis.
8. Também não é crível a matança dos inocentes. Como seria possível Flávio Josefo não ter referido essa matança?
O evangelista compara Jesus e Moisés. Aquando do seu nascimento, o faraó mandou matar todos os meninos nascidos no Egipto. E Jesus é levado para o Egipto — realmente nunca terá lá estado —, donde voltará. Para dizer que Jesus é o novo verdadeiro Moisés, o Libertador de todo o mal e opressão, incluindo a morte. Porque Deus não suporta a opressão, a escravidão.
no Diário de Notícias
Padre e professor de Filosofia