Reflexão de Georgino Rocha
para o Domingo XXXIV do Tempo Comum
Cenário majestoso realça a importância da figura central e contrasta com a simplicidade dos convocados, a sobriedade das alegações, a contundência da sentença. A solenidade da grande assembleia é patente: anjos rodeiam o homem que está sentado num trono de glória, nações inteiras aparecem dos cantos da terra, o universo converge no mesmo espaço e testemunha o acontecimento. A acção a realizar é extraordinariamente simples, semelhante à de um pastor que, ao cair da tarde, ou ao chegar o tempo invernoso, recolhe o rebanho, separando as ovelhas dos cabritos. Mt 25, 31-46. Mas simboliza o nosso futuro definitivo.
A imagem pastoril ilustra, de forma acessível e eloquente, a mensagem que Jesus pretende “passar” aos discípulos de todos os tempos: a opção pelo futuro constrói-se no presente, a semente contém, em gérmen, a árvore, a relação solidária vive-se em atitudes concretas, a glória do Pai brilha nos gestos de fraternidade, a atenção aos “pequeninos”, a quem a vida não sorriu por malvadez humana, manifesta o reconhecimento de quem se identifica com eles e por eles vela com a máxima consideração.
O veredicto final explicita este itinerário existencial. A sentença definitiva vai sendo lavrada agora. A herança futura chega em cada momento de bondade dispensado a quem necessita. Apenas uma condicionante é tida em conta: a relação de ajuda solidária. Se esteve presente e foi vivida, a felicidade será plena; de contrário, a desdita consumará a desconsideração praticada e fará ouvir a voz da consciência tantas vezes silenciada, A tradição cristã designa esta situação futura, já experienciada em gérmen na terra, por céu e por inferno. Deus respeita totalmente a decisão humana. Ajuda com a sua graça, sempre que lhe permitem, “espaço de manobra”. Que bem ilustrada está esta maneira de proceder, na atitude do Pai bondoso, que continuamente espera vislumbrar a silhueta de seu filho para ir a correr ao seu encontro, abraçá-lo e fazer festa.
Todos os “arguidos” mostram uma estranha admiração, expressa na pergunta que ficará a ecoar ao longo da história: Mas, quando foi que te vimos? Pergunta séria pois ver Deus é o grande desejo da pessoa humana. Em todo o coração está pulsando esta aspiração que só será satisfeita quando acontecer a visão que abre “as portas” à comunhão definitiva.
“Como aprender a fazer o bem aos outros?, pergunta Manicardi e acrescenta: Pelo seu próprio desejo, responde Jesus, quando diz para fazer aos outros o que gostaríamos que nos fizessem a nós (cf. Mt 7, 12). É o desejo que temos é de ser amados, de que venham ao nosso encontro na nossa necessidade. Assim «aquele que faz bem ao seu próximo, faz bem a si mesmo, e aquele que sabe amar-se a si mesmo, ama também os outros»”.
A sua atitude é compreensível. E a resposta é surpreendente, aliciante e comprometedora. Não deixa margem a dúvidas. Não tece considerandos nem dá alternativas. Não supõe informação prévia nem faz exigências futuras. A mim atendeste, quando atendeste o pobre de todos os alimentos: comida, bebida, abrigo, vestuário, companhia, amizade e liberdade.
“Nos exemplos de ajuda e proximidade enumerados no texto do Evangelho, atesta Manicardi, há um aspecto frequentemente ignorado na reflexão: a capacidade de deixar-se ajudar, de deixar-se abordar, tocar, cuidar. A capacidade e a humildade de deixar-se amar activamente. Uma capacidade que revela uma dimensão de pobreza mais radical que a doença ou a fome ou a nudez, e que se chama humildade. A humildade que pode nascer das humilhações trazidas pela vida ou causadas pelos homens”.
São necessidades básicas em consonância com a dignidade humana. Este é o ponto de encontro de Deus connosco e de nós com Ele. Aqui se alicerça a consistência da nossa dignidade comum. Por isso, tudo o que é indigno do ser humano desfigura Deus e provoca alergias religiosas justificadas. E defender a visão integral da pessoa, individual e colectivamente, promover as suas capacidades de participar na construção de uma sociedade digna da condição humana é manifestar a glória de Deus e presta-lhe culto agradável.
“No final da nossa vida, afirma o Papa Francisco, seremos julgados sobre o amor, ou seja, sobre o nosso compromisso concreto de amar e servir Jesus nos nossos irmãos mais pequeninos e necessitados. Aquele mendigo, esse necessitado que estende a mão é Jesus; aquele doente que devo visitar é Jesus; esse preso é Jesus; aquele faminto é Jesus. Pensemos nisto!”
Pe. Georgino Rocha