Reflexão de Georgino Rocha
para o Domingo XXXIII do Tempo Comum
Juízo severo, sentença drástica. Quem o poderia imaginar? (Mt 25, 14-30) O desfecho da parábola dos talentos é surpreendente, desconcertante. O “chamado” servo mau não faz mais do que proceder de acordo com as regras do tempo e do modo de ser do seu patrão: aceita o encargo, guarda com cuidado o talento e apresenta-o, sem desfalque, no regresso do senhor, acompanhando a entrega com uma justificação plausível. O seu comportamento está motivado pelo modo de ser do patrão: ter medo de quem é severo, saber de antemão que não pode falhar, pois ele quer colher onde nada semeou. Por isso manteve a rotina e fez como era hábito: escolher um local seguro, enterrar cuidadosamente o objecto recebido, gravar na memória esse local e, tranquilo, descansar aguardando o momento da reposição.
A sentença aponta a novidade da mensagem a viver e transmitir: importa mais a atitude do que o resultado, o risco do que a segurança, o investimento do que a poupança, a abertura aos outros do que o encerrar-se sobre si mesmo, o uso responsável da liberdade do que a obediência servil e tacanha. Como se verifica nos servos bons e há-de verificar em nós, se formos fiéis..
“A identidade cristã, afirma Tomás Halik, teólogo Checo, não está enraizada no imobilismo, mas sim no movimento do Espírito que atua na história para conduzir os discípulos de Jesus cada vez mais fundo na plenitude da verdade… O que eu peço é uma cultura do discernimento espiritual e a promoção daqueles valores que levam ao coração do Evangelho e a uma resposta corajosa e criativa aos “sinais dos tempos.
Jesus narra a parábola, não para dar uma lição de economia de rentabilidade capitalista, mas de responsabilidade social, de reconhecimento e desenvolvimento de capacidades, de criatividade confiante, de vigilância atenta e cooperante, de intervenção pronta e generosa. Mateus situa esta narração nas “catequeses” que o Mestre faz no Monte das Oliveiras e dirige aos discípulos e, por eles, a todos nós. Está na fase final da sua vida terra. E diz-lhes sem rodeios: tende cuidado convosco, geri bem os talentos que recebestes, estai preparados para as eventualidades. A quem corresponder à missão recebida será reconhecido o êxito e feito o convite: Servo bom, vem tomar parte na alegria do teu senhor. Este é o futuro anunciado que, entretanto, “se joga” no presente, nas atitudes assumidas perante as situações vividas, nas decisões tomadas face a desafios concretos e urgentes.
Agora é o tempo da responsabilidade ética. Tanto a nível da economia “soberana”, como do envolvimento na Igreja e nas múltiplas valências das comunidades e dos movimentos que a configuram e realizam; tanto a nível pessoal, como das famílias e dos grupos apostólicos que são presença e fazem intervenção na sociedade. Ninguém que se preze de ser humano se pode isolar na sobrevivência, instalar no aburguesamento, acomodar-se no divã do sossego alcançado e na zona do conforto, aguardar o desfecho do processo em curso.
Ocorre neste domingo, o Dia Mundial do Pobre que tem como lema exortativo: «Estende a mão ao pobre», (lema) que é, pois, um convite à responsabilidade, sob forma de empenho direto, de quem se sente parte do mesmo destino. É um encorajamento a assumir os pesos dos mais vulneráveis, como recorda São Paulo: «Pelo amor, fazei-vos servos uns dos outros. É que toda a Lei se cumpre plenamente nesta única palavra: ama o teu próximo como a ti mesmo. (...) Carregai as cargas uns dos outros» (Gal 5, 13-14; 6, 2)”.
A ética da responsabilidade constitui um dos eixos imprescindíveis da ética civil e, por motivos novos, da ética cristã. Todos somos responsáveis por todos. O bem comum e a justiça social constituem a sua expressão mais qualificada. Nada do que é humano nos pode ser estranho. Os talentos/capacidades de cada um estão ao serviço da dignidade de todos. A sociedade tem uma elevada força educadora e constitui o espelho do bem-estar dos seus membros. Deus conta connosco em parceria de aliança.
Tal como na parábola, os discípulos de Jesus recebem o talento da confiança: os bens de Deus e de toda a humanidade, estão-nos entregues para serem bem geridos, promovendo as capacidades de cada pessoa e do conjunto social; o talento do tempo: o bem precioso do tempo comporta a medida exacta para ser realizada a missão e imprimir a nossa marca na história, fazendo das horas que passam horas de salvação, oportunidades de realização integral; o talento do amor que reforça as capacidades humanas e as impulsiona a voos de audácia em prol dos demais; o talento da vida humana, sempre a apreciar e a valorizar, da fé em Cristo Jesus e na boa nova que nos surpreende continuamente. E tantos outros, felizmente!
O ensinamento de Jesus vem mesmo “a calhar” na crise soberana da pandemia que manieta as pessoas e semeia o medo da desolação, as molda a seu jeito, e fazendo emergir e avivar os talentos que Deus, fonte da alegria e da esperança, confia à nossa responsabilidade. A quem beneficias com os teus?
Pe. Georgino Rocha