para o Domingo I do Advento do Natal
Era costume dos judeus abastados e ricos, quando tinham de se ausentar, confiar os seus bens aos cuidados dos servos, atribuindo-lhes responsabilidades concretas. Deviam desempenhá-las bem, até que os patrões regressassem, não deixando ou enviando qualquer pré-aviso. O proceder dos servos manifestava a qualidade da relação com os seus senhores.
Jesus conhece bem os usos e costumes dos seus conterrâneos. Recorre frequentemente a eles, dando-lhes novas dimensões, enriquecendo-os com elementos que abrem horizontes mais vastos e interpelantes. Com estes recursos pedagógicos, os discípulos podem captar mais facilmente a mensagem que lhes quer transmitir. Hoje, lança mão da parábola do dono da casa que a confia aos seus empregados e parte de viagem. Deixa duas recomendações: cumprir responsavelmente a tarefa atribuída e estar vigilantes. Ê adianta uma breve explicação: O regresso pode acontecer a qualquer hora. “O que vos digo a vós, digo--o a todos”. Mc 13,33-37.
“A vigilância, adianta Manicardi, é a fidelidade à terra na plena consciência de estar na presença de Deus. A vigilância nasce de uma unificação da pessoa diante do Senhor, o que a leva a ser lúcida, atenta a si própria e aos outros.”
A vinda do senhor da casa polariza a atenção comum, dá sentido ao comportamento de cada um, desperta energias que tendem a adormecer, mantém em todos a espera vigilante e activa. É o futuro que introduz, no presente, dinamismos de intervenção, fruto da análise crítica das situações e das atitudes que condicionam a conservação da casa e a realização das tarefas.
O sentido da casa tem, entre os judeus, um grande alcance: da casa de habitação/lar aos bens familiares; da casa/local de reunião ao templo de Jerusalém, da casa/povo de Israel à humanidade inteira e ao próprio universo. Entre os cristãos, mantém alguns destes âmbitos e concretiza-se em outros: edifício/templo onde se reúnem os discípulos de Jesus, o santuário da consciência, a comunidade eclesial em todas as suas configurações, o cosmos onde Deus é tudo em todos.
O dono da casa, em qualquer destes âmbitos, é sempre Deus que delega funções nos seus gestores escolhidos e mandatados que são todos os seres humanos, embora alguns desempenhem funções especiais. Jesus é o porta-voz desta feliz notícia que percorre os séculos e dá sentido à história; não apenas mais um porta-voz, mas o protagonista primeiro que nos associa a si por meio do seu Espírito. “O que vos digo a vós, digo-o a todos”.
“O anúncio da vinda do Senhor e a recomendação de vigiar interrogam o crente sobre a sua relação com o tempo, afirma aquele teólogo. Relação muito problemática para nós, que «não temos tempo», e particularmente dramática hoje, numa altura em que o futuro mudou de sinal: de sinónimo de promessa tornou-se sinal de ameaça. Por conseguinte, suscita mais medo do que esperança, incita mais a dobrar-se sobre si mesmo, e não ao impulso criativo e construtivo de projectos”. As pandemias deixam a claro o alcance desta afirmação.
Somos dignos da confiança, temos de lhe corresponder. Recebemos encargos específicos proporcionais às nossas capacidades, devemos realizá-los. Fomos exortados à vigilância activa, não nos deixemos adormecer e ser surpreendidos. Ouvimos o que nos foi dito, proclamemo-lo a todos: o Senhor vem à sua casa e encontra-se connosco para nos ajudar a realizar a tarefa que nos encomenda, para se alegrar com a fidelidade que cultivamos, para confirmar a responsabilidade que assumimos. Por isso, a sua vinda deve ser cuidadosamente esperada e activamente preparada.
“O momento do regresso será de noite, continua o autor citado. Tempo em que é necessário ter os olhos bem abertos (…) A noite é símbolo de tempos sombrios, de trevas interiores e históricas, pessoais e comunitárias, civis e eclesiais. A vinda do Senhor não as suprime, mas é precisamente aí que ele vem já hoje, no quotidiano da vida. (…) A espera da vinda do Senhor torna-se assim esforço de discernimento dos sinais da sua presença”.
Assim reza o prefácio da missa: “Agora vem ao nosso encontro, em cada homem e em cada tempo, para que O recebamos na fé e na caridade e dêmos testemunho da gloriosa esperança do seu reino”.
De contrário, apanha-nos de surpresa, de “mãos vazias”, de coração sonolento, de vontade “desvitalizada”, completamente insensíveis ao que está a acontecer e nos diz respeito. Esta atitude contrasta radicalmente com a recomendação feita: Vigiai, ou seja, despertai para os tempos novos, estai preparados para as surpresas, acolhei confiantes a esperança que germina, trabalhai sem desfalecimento por um mundo humanizado, resisti aos cânticos sedutores da sirene publicitária, acompanhai os abatidos pelo peso da vida e construí, passo a passo, o vosso encontro definitivo com o Senhor que chegará no seu advento definitivo. Despertemos!
Pe. Georgino Rocha