Se fosse vivo, Manuel da Silva, mais conhecido por Rito, faria hoje 100 anos. Conheci-o há muito tempo, quando ambos fizemos parte da Comissão Fabriqueira da paróquia de Nossa Senhora da Nazaré, sendo ele o responsável pela recolha dos dinheiros do peditório das missas, cujas contas apresentava nas reuniões habituais. Venho lembrá-lo por ter sido um homem bom e justo, deixando as marcas da sua personalidade nos filhos e nos amigos, mas ainda por ter sido injustamente caluniado e castigado pelos tribunais, com a indignação do povo da nossa terra. Da sua postura como tesoureiro, guardo uma frase que jamais esquecerei. Quando entregava a saca do dinheiro, exigia que fosse recontado pelos membros da comissão. E quando um dia lhe dissemos que confiávamos inteiramente nele, o Manuel Rito teve esta saída: — O dinheiro foi feito para ser contado.
Manuel Rito, filho único, quando casou, foi viver com a esposa para a casa materna. Percebendo que o relacionamento entre mãe e esposa não era o melhor, resolveu mudar-se para casa própria. Por razões que se desconhecem, alguns vizinhos levaram a mãe do Manuel Rito a apresentar queixa contra o filho por agressão, dando origem ao natural julgamento. E o insólito, razão deste meu apontamento, está no facto de Manuel Rito ter prescindido de advogado de defesa, alegando que jamais deporia contra a sua própria mãe nem a desmentiria. E terá acrescentado: — Somente afirmo que nunca bati nem ofendi a minha mãe.
Condenado a prisão, não contestou o julgamento, sofrendo no corpo e na alma a situação por que passou. Contudo, talvez por o juiz não poder alterar o seu despacho, foi autorizado a passar as noites em sua própria casa, apresentando-se de manhã na cadeia. E aos fins de semana até chegou a ter as chaves da cadeia para poder sair, comprometendo-se a deixá-las numa taberna que existia perto do estabelecimento prisional.
Mais tarde, constou que a sua mãe se arrependeu do gesto irrefletido, denunciando alguns vizinhos de a terem levado a acusar o filho injustamente.
Fernando Martins