Reflexão de Georgino Rocha
para o Domingo de Ramos
Aproximam-se os dias da Páscoa e Jesus procura um local condigno para a sua celebração. Encarrega os discípulos desta tarefa e dá-lhes instruções precisas. Vão à cidade, encontram a pessoa indicada, (possivelmente amiga), transmitem-lhe o desejo de Jesus e esta aceita ser hóspede do grupo. Lc 22, 14-23.56.
A celebração da ceia pascal acontece, fruto desta colaboração generosa, em que muitos intervêm, sobretudo Jesus que realiza a suprema maravilha da Eucaristia, antecipa para “sinais” o que vai suceder e abre horizontes de esperança aos limites do tempo.
Timothy Radcliffe, teólogo dominicano, no artigo intitulado “No isolamento, dar vida a gestos de comunhão”, afirma: “No coração da fé cristã há um homem morto em total isolamento. Foi erguido sobre a cruz e, acima da multidão, sem qualquer contacto, transformado em nu objeto. Parece até que se sentiu separado do Pai, e as suas últimas palavras, segundo os Evangelhos de Marcos e de Mateus, foram: «Deus meu, Deus meu, porque me abandonaste?». Naquele momento, Ele não só abraçou as nossas mortes. Ele fez totalmente sua a solidão que todos nós, por vezes, suportamos, e que milhões de pessoas estão hoje a viver”.
A narração da ceia abre, praticamente, o processo da paixão e ressurreição de Jesus por onde passam cenários emblemáticos da “história” humana e dos seus protagonistas: A garantia do amor fiel até ao fim, a força da tentação e a vulnerabilidade da fragilidade humana, a “convulsão” dos interesses religiosos, as manobras simuladoras do poder político, a manipulação plebiscitária das multidões, a deserção dos amigos em horas de provação, a angústia de morte das vítimas e o requinte de malvadez dos algozes, a confiança filial do homem justo, os gestos misericordiosos de quem tem um coração sensível e compassivo.
A história é feita de pessoas com nome e de factos com sentido. Jesus também aqui se distingue pela excelência do seu comportamento de testemunha fiel. A cena do Getsémani ilustra bem o risco da debilidade. Anás e Caifás, de parceria com Herodes, dão rosto às manobras feitas a coberto da religião. Pilatos é o actor político que se desdobra em diligências para agradar às “maiorias” e acaba por ir contra a própria consciência. O plebiscito mostra a farsa urdida e habilmente explorada pelos anciãos; quer “legitimar” a opção de morte por inveja. O pequeno grupo junto à cruz, deixa no “ar” a pergunta: onde estão os amigos e os inúmeros socorridos por tantas acções benfazejas de Jesus. A vil miséria das vítimas espelha-se no rosto desfigurado e no corpo trucidado do crucificado. A nobreza de sentimentos de uma humanidade agradecida está patente nos gestos de José de Arimateia e das mulheres sentinelas de uma aurora pressentida.
Enzo Bianchi, monge do mosteiro de Booze, Itália, afirma que perante a ameaça real do coronavírus (COVID-19) “muitas pessoas frágeis estão amedrontadas e, no caso de viverem sós, tornam-se presas de fantasmas e pesadelos difíceis de dominar. Só a proximidade e o afeto a elas mostrado com muita ternura podem ser um bálsamo para a sua fragilidade. E os idosos são as nossas raízes, são a experiência convertida em sabedoria, são também – como recita um provérbio africano - «as nossas verdadeiras bibliotecas»”.
Onde estão os amigos de Jesus, é pergunta que acompanha toda a história dos seus discípulos, os cristãos missionários, sobretudo nas épocas de crise da fé e da humanidade. É pergunta que nos encaminha para quem Lhe dá rosto pessoal configurado nas vítimas de tantos males, designadamente o coronavírus. É pergunta que desperta as melhores energias humanas e faz germinar actos de autêntico heroísmo. É pergunta que encaminha para identificar o meu lugar na Paixão de Jesus.
“De facto, Ele era mesmo o Filho de Deus” – reconhece o oficial romano e os soldados que o acompanham, ao verem o sucedido. Que bela conclusão! Que proclamação de fé! Que capacidade de passar do visível ao Invisível. E de o manifestar. Feliz de quem se esforça por conseguir a fé em Jesus, o Filho de Deus, que nos deixou, como memorial da sua paixão e ressurreição, a eucaristia dominical.
Pe. Georgino Rocha