Reflexão de Georgino Rocha
para o Domingo da Divina Misericórdia
Jesus ressuscitado realiza várias iniciativas para desvendar aos discípulos, e por eles, a toda a humanidade, a novidade do seu ser e do seu agir: Encontros pessoais e comunitários, marchas e refeições, diálogos e provações. Presenças surpreendentes, ausências súbitas e apresentação das cicatrizes da paixão. Hoje, o relato do Evangelho oferece-nos uma “amostra” de algumas destas iniciativas que realçam a sua divina misericórdia. (Jo 20, 19-31).
A desolação dos discípulos contrasta fortemente com a coragem de Jesus ressuscitado. Eles, amedrontados, estão refugiados em casa trancada, a temerem o que lhes podia acontecer na sequência da condenação do seu Mestre. Este, destemido, apresenta-se no meio deles, sereno e ousado, e saúda-os amigavelmente, desejando-lhes a paz. O contraste não pode ser mais radical e provocador. A atitude de Jesus surpreende-os completamente e deixa-os expectantes. Eles ainda não o haviam reconhecido. Que carga de medo inibidor! Que urgência da “purificação” do coração e da mente para iniciar o caminho da fé no ressuscitado! Que importância atribuída à jovem comunidade reunida em assembleia neste “arranque” decisivo!
“Normalmente vemos e cremos. Esse é o nosso processo de encontro com a realidade, afirma o Cardeal Tolentino de Mendonça no comentário a este Evangelho. O Ressuscitado, inaugura uma nova metodologia. Devemos crer para poder ver. Devemos não tocar para poder tocar. Devemos aceitar o silêncio e a distância para viver de verdade a nova relação que nos traz a Páscoa”.
Jesus toma a iniciativa e coloca-se no meio deles. Ele é o centro para onde todos convergem e donde cada um parte em missão, para ir ao encontro das pessoas e anunciar-lhes o amor com que Deus as ama e o apelo que lhes faz para viverem como irmãos em comunidade. Que belo “desenho” da Igreja germinal que servirá sempre de referência para atestar a autenticidade das nossas atitudes e a beleza da nossa comunhão.
João, o narrador do acontecido – adianta que foi no 1.º dia da semana que é o domingo. Esta referência tem enorme importância histórica e cultural, pois testemunha as raízes pascais do Dia do Senhor, da assembleia cristã que faz a sua celebração comunitária, da certeza de que “Ele está no meio de nós”.
A acção de Jesus no encontro com os discípulos prossegue de modo exemplar para quem se inicia na fé pascal: acolher a paz, aceitar o envio, receber o Espírito, perdoar e ser perdoado, reconhecer e venerar nas chagas do mundo as cicatrizes das feridas do Crucificado/Ressuscitado, abrir-se à fé de adoração e ser coerente em atitudes práticas. Que belo e estimulante caminho!
Jesus sempre no meio de nós: está em cada beijo e em cada abraço de família; na oração e no compromisso da comunidade, no grupo solidário, que semeia a esperança e o bem e se esforça por buscar a verdade e promover o progresso. Jesus sempre no meio do coração do mundo como alento e dinamismo de toda a humanidade (cf. Pastoral das Prisões, Sevilha).
“Se Cristo ressuscitou, é possível olhar com confiança os acontecimentos da nossa existência, inclusive os mais difíceis, cheios de angústia e incerteza. Esta é a mensagem que estamos chamados a proclamar”, exorta o Papa Francisco, a propósito da convulsão que atravessa os centros vitais do nosso mundo e de tantas coisas lindas que estão a despontar.
Pe. Georgino Rocha