Reflexão de Georgino Rocha
para o Domingo V da Quaresma
“Lázaro, sai para fora”, ordena Jesus com voz forte e determinada. E ele levanta-se e sai amortalhado, como havia sido colocado na sepultura. Jesus continua, dirigindo-se aos circunstantes: “Desligai-o e deixai-o ir”. E João, o narrador do sucedido, conclui: “Ao verem o que Jesus fez, acreditaram n’Ele”. Jo 11,1-45
A revivificação de Lázaro constitui um sinal, na sequência de outros, que visam manifestar quem é Jesus e provocar a adesão à sua pessoa e mensagem: a água transformada em vinho nas bodas de Caná; o pão abençoado e repartido pela multidão; a cura do paralítico junto à piscina e a do cego de nascença; a doação da própria vida como belo e bom pastor; a vitória sobre a morte, simbolizada em Lázaro, e realizada aquando da ressurreição. Estes e outros sinais credenciam um conjunto de ensinamentos sobre a acção inovadora do Messias e induzem as testemunhas a tomar posição, aceitando ou rejeitando o que presenciam e ouvem.
Qual a nossa atitude perante tantos sinais de novidade que a vida nos traz? Deixamo-nos interpelar e somos consequentes? Aproveitemos a oportunidade que a quaresma nos oferece e as interpelações que o coronavírus suscita.
Lázaro adoece. As irmãs, Marta e Maria, mandam recado a Jesus que, na sua missão, andava por longe de Betânia, terra desta família. Eram amigos. Querem que Ele saiba e mantêm o secreto desejo de que a amizade abra caminho à visita tão desejada.
J. M. Castillo no seu comentário a este episódio afirma: “É o carinho de uma amigo, que estima tanto a Marta, Maria e Lázaro, que não suporta a sua dor, a sua pena, as suas lágrimas. E prossegue: Emociona-se e chora ao verificar a ausência do amigo que não está presente. E conclui: A lição é clara: a humanidade de Jesus é fonte de vida. Jesus foi um ser humano. Tão profundamente bom, fiel à amizade, tão entranhável, que não pôde suportar o sofrimento dos seus amigos, possivelmente os amigos a quem mais amou nesta vida”.
João, o autor da narração, descreve-a com pormenores de grande riqueza simbólica e catequética. Face ao propósito de Jesus, os discípulos desaconselham o regresso. Passa o tempo. E a morte vem sem eles terem chegado, facto que leva Jesus a dizer-lhes que se alegrava porque eles iriam ter uma nova oportunidade de acreditar. Da morte comprovada surgiria a vida restituída. O luto e a dor reforçariam os laços afectivos do amor.
E o que acontece é deslumbrante: Jesus emociona-se e chora várias vezes; escuta os desabafos das irmãs de Lázaro, dialoga com elas e consola-as na sua perda, dando-lhes garantias de que algo de novo iria fazer pelo amigo; ouve os comentários críticos de judeus que ignora; indaga onde haviam posto o cadáver e vai ao local, aceitando o convite/resposta de Maria; perturba-se e fica comovido; aproxima-se da gruta e manda remover a pedra; vence a hesitação de Marta que temia o mau odor; ergue os olhos ao céu e reza a Deus, seu Pai, dando-Lhe graças por tudo, mas sobretudo pela acção que estava prestes a realizar. E grita com voz bem forte: “Lázaro, sai para fora”. E ele obedece, ergue-se e sai. Ajudado, solta-se das amarras da morte e do sudário do encobrimento e do medo. Liberto, retoma os caminhos da vida, refaz os laços da amizade que a morte havia interrompido, ousa olhar o futuro com serena confiança.
E os circunstantes? Muitos abriram-se à fé, mas outros “quais espiões infiltrados” levam a notícia às autoridades que ficam alarmadas e começam a urdir a eliminação física de Jesus - o que origina um reajuste do seu programa missionário. Que decisão tão reaccionária, a dos fariseus: fechar os olhos à vida, à verdade, à liberdade e à solidariedade; disfarçar o embaraço com argumentos de segurança nacional e endurecer o sistema opressor que gera o medo e provoca a morte.
Caifás é o autor da proposta que, ironicamente, se vem a tornar o coração da fé cristã, a chave de leitura do sentido da vida humana e da história: Um homem morre pelo povo. Este homem é Jesus, aquele que fez reviver Lázaro e promete a ressurreição a todos os que decididamente seguem os seus passos, assumem os seus ensinamentos. Sejamos um deles!
Pe. Georgino Rocha
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