Crónica de Miguel Esteves Cardoso no PÚBLICO
O Interior é o futuro – e sabe-o. Só o balofo do Litoral não sabe.
E o Litoral, infelizmente, pensa que sabe tudo.
E pode e manda, ainda por cima.
Ao ler o presciente artigo de Teresa Mineiro no Fugas ocorreu-me o dilema de sempre: devemos ou não falar das coisas boas de Portugal, sabendo que falar delas leva quase sempre à destruição das qualidades que tornaram essas coisas únicas?
Se eu tivesse de escolher um único desejo para Portugal seria que nós portugueses déssemos valor ao que temos.
Não damos – nem pouco mais ou menos. Nem sequer estamos perto de saber o que temos – quanto mais dar-lhe valor.
Perdemos tempo a mais a chorar o que não temos ou a sonhar com o que nos daria imenso jeito. Somos vítimas do futuro – do futuro que não conseguimos ter.
Em Portugal precisamos mais de levantamentos do que de projectos. Que economia ou política pode fazer sentido se não sabemos o que temos; se não temos ideia de tudo aquilo com que poderíamos contar, caso conhecêssemos?
Está mais que visto que o Interior é o futuro. “Interior” não é nada menos do que o nome de Portugal. Mais justo seria deixar de falar em Interior e passar a dizer Portugal, excepção feita para aquela delgada mas resplandecente faixa a que deveríamos chamar Litoral.
O futuro pertence à pergunta “Onde é que não há gente?” ou “Onde é que não há gente que chegue?”. Depois só falta saber se há boas razões para não haver ali gente.
Quase nunca há. O Interior é o futuro – e sabe-o. Só o balofo do Litoral não sabe. E o Litoral, infelizmente, pensa que sabe tudo. E pode e manda, ainda por cima.
Miguel Esteves Cardoso escreve no PÚBLICO todos os dias