Jesus encontra-se em casa de um fariseu ilustre para tomar uma refeição em dia de sábado. A circunstância proporciona-lhe uma das melhores oportunidades para observar o comportamento dos convivas presentes que “espiam” as suas atitudes. Em causa está a escala da ocupação dos primeiros lugares à mesa prevista no “ritual” de banquetes. E, consequentemente, o apreço social e religioso atribuído ao ocupante. E havia quem se aproveitava, o que obrigava a uma certa despromoção. E o invés também se dava, intervindo o organizador da festa e fazendo subir para lugar de maior consideração quem o merecia.
Jesus, na leitura de Lucas 14, 1. 7-14, hoje proclamada, faz o relato da situação dando-lhe o estilo de parábola. Eleva a cena a banquete nupcial e atribui o lugar devido a cada convidado. A ordem alterada é reposta, fazendo brilhar a atitude interior da pessoa e o seu apreço social. A verdade manifesta-se sem interferências e põe a claro a (in)coerência disfarçada de uns e a humildade autêntica de outros. A aparência e suas múltiplas manifestações ocorre por todo o lado, mas sobretudo nos espaços mediáticos, no campo desportivo, na “arena” política, nas festas religiosas.
“As leituras de hoje, afirma Manicardi, contêm uma mensagem sobre a humildade: humildade como atitude humana agradável a Deus e que torna amável aquele que a vive (1ª leitura); humildade como atitude que reproduz o modo de escolher e de viver que foi o de Cristo Jesus (Evangelho) ”. Do nascer ao morrer, da vida em Nazaré ao anúncio missionário em aldeias e famílias, da ida à sinagoga ou ao Templo, das festas e convívios, Jesus dá o exemplo da mensagem que anuncia e nos deixa como boa nova para todos os povos.
A humildade é como a raiz da árvore: extrai do húmus a seiva que a alimenta, dá-lhe segurança e vitalidade, influencia o ambiente e oferece os seus frutos… E tudo, permanecendo escondida, silenciosa, discreta. A árvore será a porta-voz do seu valor: as aves com os seus ninhos e chilreio, os lavradores com o cansaço do trabalho e a necessidade de descanso e alimento, os namorados e famílias com os seus convívios e histórias, os cristãos com os seus hinos de louvor ao Deus do universo e com os frutos que podem ser “dons de salvação”.
Celebra-se, hoje, o Dia Mundial de Oração pelo Cuidado da Criação. O Papa Francisco dirige uma mensagem à humanidade, sobretudo aos cristãos e pede uma maior responsabilidade na gestão da água e um maior compromisso no cuidado dos ecossistemas marinhos. Os acontecimentos trágicos, de que somos testemunhas, não podem deixar ninguém indiferente, especialmente os da Amazónia e os do início da II Grande Guerra que ocorrem hoje. “Rezemos todos, pede o Papa, pela paz para que não se repitam os trágicos acontecimentos provocados pelo ódio, que apenas geram destruição, sofrimento e morte”.
Jesus observava a atitude dos convivas na casa do fariseu. E fez do que viu uma veemente exortação à mudança de vida, exortação que se mantém cheia de actualidade face às tragédias no nosso tempo. Procuremos a verdade. Sejamos humildes.
Mas o que é a humildade? É tentar descobrir e ficar no lugar que o Senhor lhe atribuiu e ser fiel na tarefa que lhe confiou; é a sabedoria de quem tem uma justa avaliação de si próprio e de quem aceita a realidade. Diz São Paulo: “Não vos considereis mais do que é devido considerar-se, mas senti-vos de modo a ter de vós próprios uma justa avaliação, cada um segundo a medida da fé que Deus lhe deu” (Rm 12, 3).
“A humildade não se opõe apenas à ânsia de aparecer de quem gosta de dar nas vistas, de quem «gosta dos lugares de honra» nas festas, nos primeiros lugares na sinagoga, de quem usa as igrejas e o religioso para se exibir, «para se fazer notar», mas também à atitude de falsa modéstia de quem se coloca atrás, no último lugar, mas alimentanto no íntimo uma esperança de ser mandado para frente”.
Jesus consegue falar na parábola do agir surpreendente de Deus: no banquete do Reino são os pobres que ficam com os lugares privilegiados, são os últimos que são os primeiros. “Para nós, homens, o que há de mais sensato e habitual do que convidar para nossa casa as pessoas amigas, aquelas a quem estamos ligados por laços de amizade e de amor, aquelas que já nos convidaram e voltaram a convidar-nos? Mas Jesus está a obedecer à lógica «estranha», «louca», «rara», de Deus e do Reino”.
Na comunidade de Jesus, as atitudes devem ser diferentes, convergindo, todas, na humildade e na verdade, na gratuidade e no amor desinteressado, na atenção preferencial e delicada ao esquecido e abandonado. Assim se manifesta a situação nova, em emergência, o reino de Deus. Assim se abrem as janelas do futuro definitivo de toda a humanidade.
Georgino Rocha