sexta-feira, 12 de julho de 2019

Georgino Rocha - Vai e faz o mesmo

Papa em Lampedusa

Jesus vai a caminho de Jerusalém e faz do percurso uma escola itinerante que Lucas, o médico narrador, apresenta em episódios sucessivos, cheios de realismo e vida. A leitura de hoje faz-nos ver os figurantes da parábola do samaritano. O assunto é muito sério e existencial: “Mestre que devo fazer para receber a vida eterna?”, pergunta um especialista em leis religiosas. Pergunta que habita sempre o espírito humano e o impele a andar inquieto, a buscar, a querer saber.
Jesus responde com outra pergunta acessível ao interlocutor, mestre em leis. E o amor a Deus e ao próximo surge como o núcleo fundamental do dever humano. É preciso amar concretamente. Não basta um saber intelectual, escrito ou apregoado. É preciso fazer-se próximo do outro em necessidade. Sem mais. Como realça a parábola do samaritano Lc 10, 25-37.
O Papa celebrou o sexto aniversário da visita a Lampedusa, em Roma, e afirma na homilia: “penso nos «últimos» que diariamente clamam ao Senhor, pedindo para ser libertados dos males que os afligem. São os últimos enganados e abandonados a morrer no deserto; são os últimos torturados, abusados e violentados nos campos de detenção; são os últimos que desafiam as ondas dum mar impiedoso; são os últimos deixados em acampamentos de acolhimento (demasiado longo, para ser chamado de temporário). Estes são apenas alguns dos últimos que Jesus nos pede para amar e levantar ... São pessoas; não se trata apenas de questões sociais ou migratórias! «Não se trata apenas de migrantes!», no duplo sentido de que os migrantes são, antes de mais nada, pessoas humanas e que, hoje, são o símbolo de todos os descartados da sociedade globalizada”.
O diálogo entre Jesus e o escriba termina com um resposta acertada, memorável, que fica como senha do agir dos discípulos missionários de Jesus: “Vai e faz a mesma coisa”. Senha que, embora partilhada por tantas pessoas honestas e bondosas, brilha com intensidade maior em quem segue o exemplo de Jesus Senhor. Vamos deter-nos neste ponto.
Vai e faz o mesmo porque o amor de Deus envolve, necessariamente, aqueles que Deus ama, sem distinção de género ou de raça; percorre os seus caminhos de aproximação e serviço; reveste os seus sentimentos de ternura e misericórdia; faz-te voluntário e envolve-te em todas as causas dignas da condição humana; doa-te, por inteiro, com os teus bens, o teu tempo, as tuas capacidades de relação e influência.
Vai e faz o mesmo, sente-te em viagem, portador de outros sonhos e peregrino de outras “terras”, observa a realidade por onde passas, adverte nas rotinas da vida e nas surpresas das ocorrências, aproxima-te, sem medo nem inibição, do estranho inesperado, identifica-o não como uma coisa, mas como um ser humano desfeito pelos golpes dos assaltantes, presta-lhe os primeiros socorros até mesmo com aquilo que te pode fazer falta, não gastes tempo em lamentações estéreis e inoportunas.
Vai e faz o mesmo, levanta-o no corpo e no espírito, tem em conta o seu ritmo e doseia o teu passo, acompanha-o e faz-te seu fiador junto de quem vai continuar o tratamento e ajudar a fazer a recuperação. Não permaneças junto dele mais tempo do que o necessário, mas dá-lhe espaços de liberdade. Garante-lhe presença amiga e protectora enquanto precisar. Depois, é indispensável que volte a ganhar confiança em si mesmo, a estabelecer relações humanas solidárias, a situar-se na vida de forma responsável, a ajudar a remover as causas que provocam situações semelhantes à que o ia vitimando.
Jesus, ao narrar a parábola do samaritano, está a fazer, de algum modo, o seu auto-retrato. Ele é o amor de Deus pela humanidade e do homem para com o seu próximo. Ele percorre os caminhos da vida, expressos, de modo eloquente, na subida a Jerusalém. Ele é assaltado e trucidado pelos seus algozes. Ele morre e é ressuscitado, expressando a vida nova, eterna e feliz, que o mestre de leis procura e que já se vai saboreando em sentimentos e gestos como os do bom samaritano.
Vai e faz o mesmo. Santo Agostinho sintetiza a atitude cristã, dizendo: “Não perguntes: quem é o meu próximo? Cabe-te fazeres-te próximo de quem está em necessidade”. Que as perguntas do espírito humano encontrem respostas capazes, assertivas, cheias de sentido integral e coerente.

Georgino Rocha

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