Georgino Rocha |
«Há que ‘cuidar do mundo’, cuidando ‘da qualidade de vida dos mais pobres’. A solidariedade não pode permanecer no abstrato. A missão da Cáritas é despertar para esta solidariedade no concreto”.»
Jesus toma conhecimento, por comentário popular, de duas trágicas notícias: a da matança de galileus ordenada por Pilatos e a do esmagamento de vítimas da torre de Siloé. Toma conhecimento e reage de forma estranha, fazendo perguntas e dando sentenças. Não se detém no que tinha ocorrido, mas centra-se na oportunidade que lhe proporciona: lançar um veemente apelo a estar atento ao que acontece, a saber situar-se no tempo, a cultivar a vigilância do espírito, a envolver-se com todas as energias para fazer dar fruto o que parece seco e estéril. A corrigir ideias falsas de Deus, que não é vingativo, mas paciente e misericordioso.
Lucas, o evangelista compositor, situa o diálogo na série de encontros em que Jesus com maior vigor interpela os ouvintes e apela à conversão. “Se não vos arrependerdes, morrereis todos do mesmo modo”. Que impacto teria esta afirmação sentenciosa nos portadores da notícia funesta?! E que admonição deixa aos futuros discípulos persistentes seguidores dos passos de Jesus?! Vamos tentar encontrar alguns elementos que nos ajudem na caminhada quaresmal que estamos a percorrer.
A notícia espalha-se pela rede popular de comentários. É fruto da livre iniciativa de quem vê ou ouve e sente a urgência ou o gosto de transmitir ou propalar. E assim chega longe. Frequentemente reveste a forma do boato ou outro dito, semelhante ao “passe-a-palavra”, tipo “fofoca” ou murmuração. Jesus faz de ouvinte, e, mestre da escuta como é, resolve tirar partido da ocorrência. Deixa que os factos falem por si e o seu eco fique a ressoar para sempre.
Infelizmente, a matança de Galileus continua hoje, agravada, em tantas partes do mundo. A derrocada da torre de Siloé surpreende frequentemente em desastres naturais ou atentados terroristas. Constituem a ponta do icebergue deste fenómeno mundial: Manobras políticas, abalos telúricos e tendências anarquistas, entre muitos outros. O Papa Francisco dá-lhe o nome de 3.ª guerra mundial em retalhos. E Jesus exorta-nos a estar vigilantes, a envolver-nos mudando de atitudes enquanto é tempo. Convida-nos à conversão total, aceitando a boa nova do reino de Deus e alinhando a vida pelos seus valores. A tempestade ocorrida recentemente em Moçambique, nas suas múltiplas formas, constitui aviso alarmante
“Juntos numa só família humana” é o lema da semana nacional da Cáritas que, hoje, tem o seu ponto culminante na celebração da Eucaristia, após a realização de várias iniciativas que visam despertar na sociedade portuguesa a consciência pessoal e pública para esta realidade fundamental”.
Em mensagem para este Dia, escreve D. José Traquina, presidente da Comissão episcopal da Pastoral Social e Mobilidade Humana: “Sabemos por experiência que é a partir do pessoal encontro (mais imediato ou mais mediato) com o outro que poderemos compreender quem somos… Há que ‘cuidar do mundo’, cuidando ‘da qualidade de vida dos mais pobres’. A solidariedade não pode permanecer no abstrato. A missão da Cáritas é despertar para esta solidariedade no concreto”.
Jesus para insistir na urgência da conversão enquanto é tempo introduz a parábola da figueira plantada numa vinha. É árvore que necessita de poucos cuidados e, normalmente, dá oportuno fruto saboroso. O dono vem tentar apanhar alguns figos, durante três anos seguidos. E sem resultado algum. Toma por isso a decisão de a cortar pois é inútil, ocupa a terra e faz sombra às videiras. O encarregado intervém e implora um prazo de adiamento, garantindo um reforço de cuidados. Propõe-se cavar e rebaixar o terreno à volta do tronco, regar e adubar oportunamente, resguardá-lo de objectos daninhos.
Lucas deixa a parábola em suspense, em aberto. Certamente a simbolizar que na vinha do mundo há muitas figueiras estéreis e cresce o trabalho de as cuidar. Tal como outrora, são precisas coisas, mas sobretudo vinhateiros prontos e aptos para a oportuna intervenção: oração de súplica, propostas de acção e recursos de utilização. Agora é a nossa vez. A quaresma vem recordá-lo. Mensagens e apelos são abundantes. Deixemos que a verdade abra caminho à nossa liberdade.
Com esta parábola, afirma o comentário do Apostolado da Oração, em versão francesa, Jesus desfaz ideias falsas de Deus e apresenta o vinhateiro como exemplo combativo. Jesus revela o desejo intenso de Deus de nos ver entrar em conversão e a sua paciente misericórdia. São as duas lições a meditar e a trabalhar… O tempo da quaresma é um espaço privilegiado para contemplar o rosto do bom vinhateiro que oferece tempo para nos converter e para o deixar tomar cuidado de nós e das nossas resistências. No coração da Quaresma, deixemo-nos fazer, ousemos a confiança. Deus não quer enganar-nos. Enquanto é tempo!