"Por ser tão humana,
a família de Jesus espelha,
de modo singular, a sua fonte divina"
Jesus, ao nascer, beneficia de um ambiente familiar confortável. Em Nazaré, cresce em humanidade com o amor da Mãe e o cuidado solícito de José. Aprende o valor das pequenas coisas, dos gestos de ternura, da atenção mútua, da confiança recíproca, do reconhecimento, da oração em comum. Aprende a alimentar-se, a cuidar da higiene, a trabalhar, a ter amigos e vizinhos; enfim a ser humano. O exemplo dos pais é a sua escola natural, de educação e relacionamento, de afirmação de capacidades e aceitação de limitações, de modos de falar e reagir, de ser sociável. Como os pais. Aprende a respeitar as tradições religiosas, a ir rezar à sinagoga, a peregrinar ao Templo de Jerusalém por ocasião das festas.
São Lucas (Lc 2, 41-52), a partir de referências bíblicas, de possíveis informações de Maria, e da sua fértil imaginação literária, faz uma narração detalhada, memorável, do que aconteceu com a primeira ida de Jesus à festa da Páscoa. Narração detalhada, cheia de ensinamentos e interpelações. Vamos seguir alguns dos seus passos que nos ajudam a ver com são realismo a beleza da família, fonte de inspiração para valores que as famílias de hoje estão chamados a cultivar e de desafios a assumir. Podemos assim reviver a experiência de tantos pais/mães na sua relação com os filhos, sobretudo adolescentes.
Antes de mais, convém advertir que o texto não é uma reportagem, nem parte de uma biografia, nem os dados apresentados pretendem ser históricos ao pormenor. São antes, uma leitura profunda de um episódio que quer ajudar-nos a conhecer mais e melhor a Jesus, o Filho de Deus. “Por isso, todo o relato se centra em torno à figura de Jesus e às palavras que pronuncia: (são) as suas primeiras palavras no evangelho”. (Homilética, 190). No templo, Jesus reivindica a sua relação com Deus Pai; em casa, obedecendo aos pais legais, cresce em idade, sabedoria e graça. O relato de Lucas faz-nos aproximar desta realidade encantadora.
A peregrinação fazia-se em grupos, tipo caravanas. As pessoas, embora caminhassem juntas aos seus, podiam aproximar-se de outras. Assim, aproveitavam para conversar e fazer amizades, recordar memórias e acalentar sonhos, rezar e cantar salmos. Assim, mostravam uma dimensão do ser humano: ser peregrino no tempo, ser que faz de cada momento da vida um passo para um futuro já vivido em desejo: o de chegar. Assim, revigoravam forças anímicas e espirituais estimuladas pela seiva da esperança, motor de todas as realizações humanas.
Jesus tem doze anos. Está prestes a entrar numa fase nova da vida com o reconhecimento legal do seu estatuto que, entre os judeus, ocorre aos treze anos. Por isso, vai com os pais e familiares. Está a desabrochar para uma fase exuberante de crescimento, de afirmação e de prova de competências adquiridas; de autonomia. E vai comprová-lo no diálogo com a mãe, após a festa.
Lucas refere que a peregrinação é feita aquando da festa da Páscoa. Pormenor cheio de alcance. Já se vislumbra a outra Páscoa: a da paixão e da ressurreição que dá sentido à vida de Jesus, desde a infância. Por isso, é igualmente significativa a referência aos três dias de permanência na cidade, que se projecta nos três dias de sepultura, antecâmara da manhã pascal.
A cidade de Jerusalém, por esta ocasião, aumentava muito a sua população, convertia-se em grande centro comercial com mercados a abarrotar de produtos e com incontável número de forasteiros: peregrinos e comerciantes à mistura com os residentes. O Templo, pólo da peregrinação, vivia uma azáfama constante: visitas, cultos, ofertas, com destaque para as aves e os animais. Por isso, se fazia o abate de tantas rezes e se movimentava tanto dinheiro.
É precisamente neste rodopio que entra Jesus e seus pais. Cumpridos os ritos prescritos, dá-se o desencontro. Ele fica, enquanto os pais iniciam a viagem de regresso, pensando que o seu Menino vinha com outros peregrinos de Nazaré. Ao darem conta da sua falta na caravana, enchem-se de preocupações e vão à sua procura. Que situação dolorosa! Quantas perguntas lhe terão ocorrido: rapto, morte, desorientação, fuga? E quantos problemas de consciência, pois sabiam que aquela criança lhes fora confiada por intervenção divina! Horas amargas que, mais tarde, Maria irá viver em outras situações.
Depois de um dia inteiro de buscas, a quantos locais não terão ido!, chegam ao Templo e dão com ele entre os mestres da lei em diálogo de perguntas e respostas, diálogo que deixa os ouvintes maravilhados. Ao vê-Lo, refere o texto de Lucas, ficam emocionados. Esperam que acabe e aproximam-se. A Mãe, em tom queixoso, diz-lhe: “Meu filho, porque fizeste isto connosco? Olha que teu pai e eu andávamos angustiados, à Tua procura”. É queixa que se prolonga no tempo e encontra eco no coração de tantos pais e os faz sofrer horas de amargura e de insónias. É queixa desabafo que leva Jesus a reagir de modo estranho, próprio de quem fica mal disposto. “E porque Me procuráveis? Não sabíeis que Eu devo estar na casa de Meu Pai?”. São estas as primeiras palavras de Jesus que o Evangelho regista. Tal a sua importância!
Jesus tem doze anos. É adolescente. Quererá fazer a sua afirmação pessoal ou desvendar outra dimensão do seu ser e da sua missão? Quererá chamar a atenção para o que se passa na religião do Templo ou abrir horizontes de vida a quem pratica o culto e lê as Escrituras? Quererá distanciar-se da família de sangue ou esboçar o anúncio da nova família de opção que inicia com as pessoas que O vierem a seguir? A resposta pode conter estes elementos e outros. Por isso, Maria e José “não compreenderam o que o Menino acabava de lhes dizer”.
Apesar de não compreenderem, não desanimam na sua missão comum de acompanhar e educar. Apoiam-se mutuamente. Maria quer dar o melhor de si, qualificar a sua capacidade de ser mãe. José dá-lhe o apoio indispensável: apoio de proximidade e harmonia no lar, de garantia de protecção e segurança, de sustento e responsabilidade legal. Manifestam uma dimensão nova do amor conjugal: ambos ao serviço do seu Menino, em cumplicidade total.
Este amor dá coragem nas crises familiares que os surpreendem. “É impressionante notar, afirma Manicardi, como na relação com o jovem Jesus e os seus pais tinham encontrado espaço incompreensões, censuras, angústia e mágoa provocadas pelo filho aos pais”. E prossegue garantindo que o texto “permite entrever como deve ter sido o verdadeiro crescimento humano do pequeno Jesus no seu modesto ambiente familiar: mesmo o crescimento de Jesus terá conhecido tensões e conflitos, diferenças de visão e de atitudes”. E o autor exorta o leitor a que não tenha “uma visão idílica da família de Nazaré, mas a consciência de que através de uma história humaníssima, marcada também por sofrimentos e fadigas, pôde desenvolver-se a humanidade livre e capaz de amor do Jesus adulto e pôde crescer plenamente a sua vocação”.
Por ser tão humana, a família de Jesus espelha, de modo singular, a sua fonte divina. E projecta luz sobre todas as famílias cristãs e do mundo. Ousa pensar nesta realidade com olhos de ver, os do coração iluminado pela fé.
São Lucas (Lc 2, 41-52), a partir de referências bíblicas, de possíveis informações de Maria, e da sua fértil imaginação literária, faz uma narração detalhada, memorável, do que aconteceu com a primeira ida de Jesus à festa da Páscoa. Narração detalhada, cheia de ensinamentos e interpelações. Vamos seguir alguns dos seus passos que nos ajudam a ver com são realismo a beleza da família, fonte de inspiração para valores que as famílias de hoje estão chamados a cultivar e de desafios a assumir. Podemos assim reviver a experiência de tantos pais/mães na sua relação com os filhos, sobretudo adolescentes.
Antes de mais, convém advertir que o texto não é uma reportagem, nem parte de uma biografia, nem os dados apresentados pretendem ser históricos ao pormenor. São antes, uma leitura profunda de um episódio que quer ajudar-nos a conhecer mais e melhor a Jesus, o Filho de Deus. “Por isso, todo o relato se centra em torno à figura de Jesus e às palavras que pronuncia: (são) as suas primeiras palavras no evangelho”. (Homilética, 190). No templo, Jesus reivindica a sua relação com Deus Pai; em casa, obedecendo aos pais legais, cresce em idade, sabedoria e graça. O relato de Lucas faz-nos aproximar desta realidade encantadora.
A peregrinação fazia-se em grupos, tipo caravanas. As pessoas, embora caminhassem juntas aos seus, podiam aproximar-se de outras. Assim, aproveitavam para conversar e fazer amizades, recordar memórias e acalentar sonhos, rezar e cantar salmos. Assim, mostravam uma dimensão do ser humano: ser peregrino no tempo, ser que faz de cada momento da vida um passo para um futuro já vivido em desejo: o de chegar. Assim, revigoravam forças anímicas e espirituais estimuladas pela seiva da esperança, motor de todas as realizações humanas.
Jesus tem doze anos. Está prestes a entrar numa fase nova da vida com o reconhecimento legal do seu estatuto que, entre os judeus, ocorre aos treze anos. Por isso, vai com os pais e familiares. Está a desabrochar para uma fase exuberante de crescimento, de afirmação e de prova de competências adquiridas; de autonomia. E vai comprová-lo no diálogo com a mãe, após a festa.
Lucas refere que a peregrinação é feita aquando da festa da Páscoa. Pormenor cheio de alcance. Já se vislumbra a outra Páscoa: a da paixão e da ressurreição que dá sentido à vida de Jesus, desde a infância. Por isso, é igualmente significativa a referência aos três dias de permanência na cidade, que se projecta nos três dias de sepultura, antecâmara da manhã pascal.
A cidade de Jerusalém, por esta ocasião, aumentava muito a sua população, convertia-se em grande centro comercial com mercados a abarrotar de produtos e com incontável número de forasteiros: peregrinos e comerciantes à mistura com os residentes. O Templo, pólo da peregrinação, vivia uma azáfama constante: visitas, cultos, ofertas, com destaque para as aves e os animais. Por isso, se fazia o abate de tantas rezes e se movimentava tanto dinheiro.
É precisamente neste rodopio que entra Jesus e seus pais. Cumpridos os ritos prescritos, dá-se o desencontro. Ele fica, enquanto os pais iniciam a viagem de regresso, pensando que o seu Menino vinha com outros peregrinos de Nazaré. Ao darem conta da sua falta na caravana, enchem-se de preocupações e vão à sua procura. Que situação dolorosa! Quantas perguntas lhe terão ocorrido: rapto, morte, desorientação, fuga? E quantos problemas de consciência, pois sabiam que aquela criança lhes fora confiada por intervenção divina! Horas amargas que, mais tarde, Maria irá viver em outras situações.
Depois de um dia inteiro de buscas, a quantos locais não terão ido!, chegam ao Templo e dão com ele entre os mestres da lei em diálogo de perguntas e respostas, diálogo que deixa os ouvintes maravilhados. Ao vê-Lo, refere o texto de Lucas, ficam emocionados. Esperam que acabe e aproximam-se. A Mãe, em tom queixoso, diz-lhe: “Meu filho, porque fizeste isto connosco? Olha que teu pai e eu andávamos angustiados, à Tua procura”. É queixa que se prolonga no tempo e encontra eco no coração de tantos pais e os faz sofrer horas de amargura e de insónias. É queixa desabafo que leva Jesus a reagir de modo estranho, próprio de quem fica mal disposto. “E porque Me procuráveis? Não sabíeis que Eu devo estar na casa de Meu Pai?”. São estas as primeiras palavras de Jesus que o Evangelho regista. Tal a sua importância!
Jesus tem doze anos. É adolescente. Quererá fazer a sua afirmação pessoal ou desvendar outra dimensão do seu ser e da sua missão? Quererá chamar a atenção para o que se passa na religião do Templo ou abrir horizontes de vida a quem pratica o culto e lê as Escrituras? Quererá distanciar-se da família de sangue ou esboçar o anúncio da nova família de opção que inicia com as pessoas que O vierem a seguir? A resposta pode conter estes elementos e outros. Por isso, Maria e José “não compreenderam o que o Menino acabava de lhes dizer”.
Apesar de não compreenderem, não desanimam na sua missão comum de acompanhar e educar. Apoiam-se mutuamente. Maria quer dar o melhor de si, qualificar a sua capacidade de ser mãe. José dá-lhe o apoio indispensável: apoio de proximidade e harmonia no lar, de garantia de protecção e segurança, de sustento e responsabilidade legal. Manifestam uma dimensão nova do amor conjugal: ambos ao serviço do seu Menino, em cumplicidade total.
Este amor dá coragem nas crises familiares que os surpreendem. “É impressionante notar, afirma Manicardi, como na relação com o jovem Jesus e os seus pais tinham encontrado espaço incompreensões, censuras, angústia e mágoa provocadas pelo filho aos pais”. E prossegue garantindo que o texto “permite entrever como deve ter sido o verdadeiro crescimento humano do pequeno Jesus no seu modesto ambiente familiar: mesmo o crescimento de Jesus terá conhecido tensões e conflitos, diferenças de visão e de atitudes”. E o autor exorta o leitor a que não tenha “uma visão idílica da família de Nazaré, mas a consciência de que através de uma história humaníssima, marcada também por sofrimentos e fadigas, pôde desenvolver-se a humanidade livre e capaz de amor do Jesus adulto e pôde crescer plenamente a sua vocação”.
Por ser tão humana, a família de Jesus espelha, de modo singular, a sua fonte divina. E projecta luz sobre todas as famílias cristãs e do mundo. Ousa pensar nesta realidade com olhos de ver, os do coração iluminado pela fé.
Georgino Rocha