sexta-feira, 7 de dezembro de 2018

EM SINTONIA COM O QUERER DE DEUS. COMO MARIA

Festa da Imaculada




Maria, a mãe de Jesus de Nazaré, beneficia de um especial cuidado da parte de Deus, desde o início da sua vida. A Igreja designa este facto admirável com a expressão “a Imaculada Conceição” e dedica-lhe uma solene celebração litúrgica, que hoje realizamos. A fé da Igreja lança raízes em textos bíblicos que se repercutem na piedade popular, na reflexão teológica e nos ensinamentos do Magistério. A fé da Igreja olha a novidade do que acontece em Maria, a partir de Jesus, seu Filho, morto e ressuscitado. Como diz o povo cristão: Tal Filho, tal Mãe!
Lucas terá ouvido da boca de Maria o episódio da anunciação e, como hábil escritor, reveste-o de singular beleza. O leitor é convidado a entrar em cena, a visualizar os personagens, a vibrar com a progressão do diálogo e a aguardar o desfecho com ansiedade. (Lc 1, 26-38). Maria revela, de forma exemplar, o ser humano e seu modo de proceder para tomar decisões responsáveis. Escuta a saudação, manifesta surpresa e susto, sente-se livre e dá voz às perguntas que a assaltam, acompanha as explicações que traduzem o querer de Deus, interioriza o convite/vocação, fica disponível para a missão que lhe é confiada. E que missão?! O evangelho de Lucas faz-nos ver os passos que se seguem e ler os relatos do seu registo.

Gabriel, o anjo da anunciação, saúda Maria, desvelando a verdade da situação espiritual em que se encontrava. Ela, a noiva de José, é a agraciada de Deus em plenitude, a que o Senhor tem na sua companhia. Ela, a pobre filha de Ana e Joaquim, cresceu e foi educada na casa de seus pais e na sinagoga local, sonha com o matrimónio e vive o noivado, atrai o olhar benigno do nosso Deus que a vem convidar para uma nova aventura, uma ousadia singular. Ela, que dialoga à procura da verdade, decide-se a obedecer livremente. E a liberdade de Maria, luz que ilumina o exercício da nossa liberdade, manifesta-se, agora na opção esclarecida, depois na comunhão colaborante e na consumação final que revela a coerência de quem obedece em liberdade. E ela, qual rosto emblemático da pessoa livre, é dada por Jesus, seu Filho, antes de morrer, a toda a humanidade como Mãe.


A mensagem da anunciação surge em contraste com a do mito sapiencial das origens. Agora é uma nova criação que é iniciada. A atitude de Maria dá a resposta adequada à de Eva que sobrepõe o seu desejo à vontade de Deus. O narrador bíblico encena bem o episódio, colocando em diálogo o símbolo do mal e a propensão de Eva. “Deus sabe que, no dia em que comerdes o fruto… tornar-vos-eis como deuses, conhecedores do bem e do mal. Então, a mulher viu que a árvore tentava o apetite, era uma delícia para os olhos e desejável para adquirir discernimento. Pegou no fruto e comeu-o; depois deu-o também ao marido que estava com ela. E também ele comeu” (Gn 3, 5-6). O texto prossegue com o encontro de Deus e a certeza de que,, apesar da rebeldia frustrante, o amor permanece e reveste o dinamismo da esperança.

“Eu porei inimizades entre ti e a mulher, diz Deus à serpente, veículo da tentação, entre a tua descendência e os descendentes dela. Estes esmagar-te-ão a cabeça e tu ferirás o calcanhar deles”. E a promessa vai-se realizando ao longo da história por meio de homens e mulheres que não se vergam perante as forças diabólicas que espezinham a dignidade humana, o povo de Israel que se mantém fiel à aliança, Maria, a noiva de José, Jesus, o resistente vencedor por meio do amor total a Deus Pai.
Eva e Maria a mostrar a importância do desejo e do discernimento para tomar uma opção livre. Em Eva, o estímulo surge na voz que lhe segreda algo a experimentar, pois é agradável, delicioso, sedutor. O anjo Gabriel faz a motivação a Maria aduzindo razões de sintonia com o querer de Deus, de um convite a envolver-se pessoalmente num projecto de salvação que está em curso, de abrir novos horizontes ao sonho do seu noivado com José. De ser livre para servir. E não para servir-se.

“A auto-suficiência rompe a harmonia e a comunhão, aduz o comentário da Bíblia Pastoral…Ao cair no egoísmo, o homem revela-se contra o plano de Deus, esboça o seu próprio projecto, pretende guardar só para si a liberdade e a vida quando estes o transcendem. Encontra-se perante a escravidão e a morte”.

Lucas, no final do diálogo da anunciação anota um pormenor notável: “E o anjo deixou-a”. E assim, Maria fica entregue à resposta dada e assumida em liberdade. Não porque é abandonada, pois o filho em gestação é o garante da presença amorosa de Deus Pai, a novidade confiada aos cuidados de José. Não porque queira resguardar-se de um público indiscreto e “boateiro” ou poupar-se a outros incómodos, pois vai, pelas montanhas da Judeia, visitar a prima Isabel em gravidez avançada. Vai e fica em missão de serviço na casa de Zacarias, o homem que emudeceu como efeito das dúvidas que o assaltaram quando lhe foi anunciado que, em breve, iria ser pai de João Baptista.

“Que significa esta festividade? Interroga-se J. M. Castillo, referindo-se à Imaculada Conceição. E diz como resposta: Que Maria, a mãe de Jesus, foi liberta do que origina o mal no mundo: o desejo.  Não de qualquer desejo, mas do peor de todos, o de ser como Deus. Quer dizer, o desejo de estar por cima de todos e dominar a todos. Aqui está a origem de todas as ruinas. A festa da Imaculada ajuda-nos a compreender melhor a Maria, a Mãe de Jesus. Porque foi a mulher que jamais se deixou levar pela apetência ou desejo de mandar, de possuir. Maria é a Imaculada porque é a mulher mais exemplar que passou por este mundo”.

A nação portuguesa, pela mão do Rei D. João IV, reconhece a dignidade da Imaculada Conceição de Maria e toma-a como sua padroeira. Confirma assim a convicção histórica do povo e de mestres de teologia, de poetas e cantores, e de tantos outros com destaque para os responsáveis pela construção de igrejas-monumentos com títulos de Nossa Senhora que constituem marcos artísticos de referência da nossa memória colectiva. A pintura ou desenho da Imaculada Conceição está em muitos lares cristãos como testemunho familiar do amor que Lhe temos.

Que Maria, a mulher do diálogo em liberdade e do serviço em humildade, nos acompanhe e ajude a procurar viver em desejos de sintonia com o que Deus quer. Sempre. A começar, se for caso disso, agora.  

Georgino Rocha

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