sexta-feira, 2 de novembro de 2018

Escuta: Amar a Deus é servir o próximo

Georgino Rocha

Jesus está em Jerusalém. Vive horas de tensão que os adversários provocam: os sumos sacerdotes, os doutores da Lei, os fariseus e os partidários de Herodes, a classe sacerdotal dos saduceus. Por uma razão ou por outra contestam abertamente a sua acção e mensagem, As horas vividas são de grande tensão. Que contraste com o diálogo sereno e construtivo que o escriba lhe proporciona e Marcos, o narrador, nos apresenta de forma tão bela. (Mc 12, 28b-34). Vamos segui-lo de perto na reflexão de hoje.

O escriba aproxima-se fisicamente, sinal de sintonia com as atitudes assumidas e as respostas dadas nas situações anteriores, de que ele possivelmente havia sido testemunha. E a pergunta sai-lhe espontânea: “Qual é o primeiro de todos os mandamentos?”. Pergunta clara, sem rodeios nem enfeites. Sem evocação de títulos honoríficos nem credenciais de recomendação. Simples e sincera, a denotar uma transparência exemplar. Que fica como referência evangélica para todos os discípulos fiéis confessantes da confiança em Jesus Cristo: que perguntas Lhe fazemos? E com que sinceridade e propósitos? Como nos relacionamos com Ele? Vale a pena pensar nisto.

Jesus sintoniza com ele e responde com uma clareza meridiana: “O primeiro é este: «Escuta, Israel: O Senhor nosso Deus é o único Senhor. Amarás o Senhor teu Deus com todo o teu coração, com toda a tua alma, com todo o teu entendimento e com todas as tuas forças». O segundo é este: «Amarás o teu próximo como a ti mesmo». Não há nenhum mandamento maior do que estes” A resposta de Jesus é composta de citações dos livros do Deuteronómio e do Levítico. E parece estar em dissonância com o pedido feito. Merece, por isso, uns momentos de atenção.

Jesus indica claramente uma progressão nas atitudes interiores a cultivar: A de escutar, a de amar, a de envolver todas as suas capacidades na relação de Deus e do próximo, a de harmonizar as diversidades na unidade de comunhão. Como são actuais estas atitudes!

A escuta está no início do processo de humanização. Já no seio materno, há escuta interactiva. Sem ela não há comunicação nem compreensão. Não existe relação. Vive-se de impressões e preconceitos. E tantos outros sentimentos que isolam e semeiam desconfiança. Dão-se respostas a perguntas que não foram feitas e mais não são do que ecos de um mundo interior ancorado em vibrações de um passado colhido noutras circunstâncias. Por isso, a pedagogia do nosso Deus educa o povo de Israel: a escutar a sua voz e a dos profetas, seus enviados, a recordar a memória dos feitos antigos, a celebrar o que vai ocorrendo, a ser coerente com a ética da vida, com a sabedoria narrada de pais a filhos. Jesus insere-se nesta corrente educativa e repropõe a escuta como passo indispensável para iniciar uma relação de proximidade em que desponta a verdade da obediência libertadora. E lembra aos discípulos: “Quem vos escuta a Mim escuta” (Lc 10, 16).

A Igreja recebe este modo exemplar de proceder e quer fazer dele a regra pastoral dos seus agentes missionários. Diz o documento final do Sínodo sobre os Jovens, recentemente celebrado, entregue ao Papa Francisco que, por sua vez, deseja fazê-lo chegar a todos os católicos, discípulos fiéis.

“A escuta é um encontro de liberdade que requer humildade, paciência, disponibilidade para compreender, empenho para elaborar de modo novo as respostas. A escuta transforma o coração de quem a vive, sobretudo quando adopta uma relação interior de sintonia e docilidade ao Espírito. Não é só uma recolha de informações nem uma estratégia para alcançar um objectivo, mas é a forma adoptada por Deus na relação com o seu povo. Com efeito, Deus vê a miséria do seu povo e escuta o seu clamor, deixa-se tocar no íntimo e decide libertá-lo. A Igreja portanto entra no movimento de Deus que, no Filho, vem ao encontro do ser humano”. O  texto continua lembrando que os jovens querem ser escutados e que há na Igreja experiências consolidadas de escuta. E afirma ser este um serviço qualificado dos cristãos, designadamente do ministério ordenado, a que são convidados a dedicar o tempo indispensável. (Documento final, n.os 6-9).

O saber escutar é dom do Espírito Santo e aprendizagem humana. Baseia-se na convicção de que Deus está em quem fala, talvez de forma muito velada, e tem algo a dizer-nos e a quem nos visita. Saber ouvir requer serenidade interior, controle emocional, lucidez e compreensão, a fim de ter a atenção na pessoa e nas suas expressões.

Há experiências bem sucedidas de comunicação e escuta: O diálogo conjugal e a conversa familiar, o clima de muitas reuniões, o ambiente educativo nas aulas e de inter-acção com os programas televisivos e meios virtuais, a participação em certas assembleias litúrgicas e de aconselhamento, a partilha de pontos de vista em ordem à tomada de decisões. Oxalá prossigam, de forma espontânea e organizada.

O prior de Taizé está convencido de que Deus é a representação do amor. Então, onde quer que haja amor, compaixão, sede de justiça e desejo de reconciliação, Deus está presente, até mesmo na vida de quem não frequenta a Igreja ou não foi batizado. O Irmão Alois acredita também que os jovens já estão cheios de Espírito, e só precisam de ajuda para reconhecê-lo. Este tipo de escuta é radicalmente diferente, porque ensina os jovens a ouvirem-se a si mesmos e ao Espírito que está em cada um deles. Antes de encher a cabeça dos jovens com informações exteriores, primeiramente eles devem estar voltados para si, afirma o prior de Taizé, a propósito do Sínodo recentemente realizado em Roma.

A escuta está intimamente relacionada com o amor, o único mandamento de Jesus, a atitude que sela a comunhão de Deus com o ser humano. Expressa-se na atenção à Palavra do Senhor e nas práticas correspondentes: Bondade e ajuda mútua, proximidade solidária e inteligente, acompanhamento nos vários ritmos da vida, acolhimento interactivo das mensagens que chegam e das ressonâncias que provocam. “Esta força do amor, confessa J. M. Castillo, é o que nos une aos outros e mais nos une ao Transcendente, o sentido último da vida”. (La religión de Jesus, Desclée de Brouwer, 2017, pág. 388).

“Muito bem, Mestre! Tens razão…”, responde o escriba à resposta sábia de Jesus. Oxalá, as nossas atitudes de vida dêem resposta semelhante.

Georgino Rocha

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