Georgino Rocha |
A caminhada para Jerusalém está prestes a chegar à cidade. Tem sido uma “caixa de surpresas” que Jesus provoca ou aproveita para mostrar aos acompanhantes, sobretudo aos discípulos, a novidade do Reino de Deus, de que é portador e iniciador. No domingo, vimos o homem desejoso de viver de tal modo na terra que possa garantir a plenitude da vida eterna. E o apelo que Jesus lhe faz a cortar todas as amarras que o retinham no mero cumprimento de mandamentos e a apreciar o tesouro da liberdade. Quer dizer, Jesus quer curar-lhe o desejo, essa energia que nos impulsiona nos sonhos e nas realizações.
Hoje, Marcos (Mc 10, 35-45), em episódio familiar mostra-nos outra face deste desejo de ser alguém, de ocupar um posto notável na futura organização do reino anunciado, de ser conselheiro privilegiado ou mandatado especial, de ver recompensado o abandono de tantos bens apreciados. “Tiago e João, filhos de Zebedeu, aproximaram-se de Jesus e disseram-lhe: «Mestre, queremos que nos faças o que Te vamos pedir». E Jesus escuta a sua ousadia confiante: Faz-nos sentar à Tua direita e à Tua esquerda. A intensidade do desejo é manifesta. E a medida para ser satisfeito, igualmente. A mãe vem apoiar a pretensão. Os outros indignam-se pois também se julgam com direitos. Pedro já se havia feito porta-voz desta situação e da fatura que estava em aberto. (Mc 10, 28).
É o humano a desvendar-se no seu melhor. Sem desejo, a vida definha em todas as suas dimensões. Não há desenvolvimento pessoal nem relações de bem-fazer. O futuro foge. Esvazia-se a solidariedade, a acomodação instala-se, as capacidades adormecem, o vazio espreita e a morte vai-se aproximando lentamente como o cair do dia em tardes de outono ensolarado.
O padre Tolentino de Mendonça, agora Arcebispo, chama a atenção para a importância do desejo em várias intervenções nos exercícios espirituais com o Papa Francisco e colaboradores da Cúria Romana, em Fevereiro passado, (2018). Diz ele: “Há nas nossas culturas e, ao mesmo tempo, nas nossas Igrejas, um défice de desejo. Quando se percebe, no momento atual, o emergir, e em escala cada vez maior, de sujeitos sem desejo, isso deve levar-nos a uma autocrítica eclesial”. E adianta reflexões pertinentes sobre a terapia do desejo.
“Não é a sede que nos faz morrer para a vida: a sede ensina-nos a arte de buscar, de aprender, de colaborar, a paixão de servir”…Começamos a morrer, “quando desistimos de desejar, de achar sabor nos encontros, nas conversas partilhadas, nas trocas, na saída de nós mesmos, nos projectos, no trabalho, na própria oração”. Elogio da sede, pag. 62.
Mas há “muitos desejos insensatos e perversos que fazem mergulhar os homens na ruína e na perdição”, adverte S. Paulo o seu discípulo Timóteo, encarregado da comunidade cristã, em Éfeso. E acrescenta que “a raiz de todos os males é o amor ao dinheiro”. (ITim 6, 9-10). Somos convidados a dar nome a males, fruto do amor desordenado e libidinoso, dos impulsos descontrolados, das manias de grandeza à custa dos outros, da ostentação e da fraude, da soberba e da arrogância que o bispo de Hiroxima, em Fátima, considera o maior inimigo do mundo de hoje. Somos convidados a dizer um não rotundo aos desejos mundanos. “Não seja assim entre vós”, ordena Jesus depois de lembrar o proceder das nações e dos grandes do mundo.
Jesus prolonga o desejo expresso por Tiago e João, fazendo-lhe a pergunta que visa reencaminha o seu pedido: “Podeis beber o cálice que Eu vou beber e receber o baptismo com que Eu vou ser baptizado?” E eles respondem sem hesitar: ”Podemos!” Antes, o Mestre havia feito esta advertência: “Não sabeis o que pedis”. De facto, o horizonte próximo polariza-se na paixão dolorosa, na via assumida para a feliz ressurreição, para a chegada definitiva do Reino anunciado. É o que vai acontecer. “Desejei ardentemente comer esta ceia pascal convosco, antes de sofrer” (Lc 22, 15). A eucaristia é o sacramento deste desejo do Senhor Jesus que a Igreja celebra na sua caminhada de salvação. E a que quer corresponder em alegre e generosa cooperação missionária.
"Jesus não Se contenta com uma «percentagem de amor»: não podemos amá-Lo a vinte, cinquenta ou sessenta por cento. Ou tudo ou nada", disse o Papa na sua homilia do domingo último, 14 de Outubro de 2018, recordando que Paulo VI continua hoje a exortar-nos, "juntamente com o Concílio de que foi sábio timoneiro, a que vivamos a nossa vocação comum: a vocação universal à santidade; não às meias medidas, mas à santidade".
Com Paulo VI e Óscar Romero, outras pessoas foram proclamadas santas. Pelo testemunho exemplar de suas vidas entregues por amor. Em serviço alegre e generoso. Como bispos e padres. Como religiosas e leigos. Uns mais idosos. Outros mais jovens. Todos viveram o desejo ardente de ser testemunhas da fé nos diversos espaços da missão. Também nós somos exortados, sobretudo hoje, domingo mundial das Missões, a levar o Evangelho a todos, juntamente com os jovens. Como aponta a mensagem para a celebração deste Dia.