Muito se tem escrito sobre a luta do Papa Francisco e as pressões "anti-Papa", e muito mais neste momento em que o tema dos abusos sexuais voltou a exigir uma atitude da Igreja de culpa e de renovação. Muito recentemente alguns bispos e conferências episcopais têm manifestado a sua solidariedade com o Papa Francisco. O bispo de Aveiro escreveu no dia 31 de setembro um oportuno "Comunicado aos diocesanos de Aveiro". Qual o alcance real ao dizer que "estamos com o Papa Francisco"?
Não se pode dizer que se está com o Papa Francisco e a prática da Igreja em Portugal não ser preventiva. Não estamos a falar apenas de denúncia de casos de abusos, mas de evitar que essas situações aconteçam. Quando os bispos, na responsabilidade que lhes é confiada, não denunciam junto da Santa Sé situações anormais e ilícitas, como seminaristas que são expulsos e acolhidos e ordenados noutras dioceses, sem pedido de informação prévia... não estaremos a entrar na mesma lógica de silenciamento?
Não podemos por um lado dizer que estamos empenhados em erradicar essa perversão e depois, quando temos situações concretas de imaturidade afetiva, perturbações psíquicas ou outras situações graves, simplesmente deixarmos a água correr e não defendermos a Igreja ativamente de males futuros. Dizer que "estamos com o Papa Francisco" é não permitir mais que situações destas aconteçam em Portugal. Não basta denunciar, o que fazemos para prevenir?
Não se pode dizer que há uma campanha organizada contra o Papa Francisco e sabermos que ela é cultivada num meio anti-Igreja de pendor tradicionalista, mas sem coragem e força quando acontecem ao nosso lado e nas nossas dioceses. O cardeal Burke "passeou-se" por Portugal, celebrou em alguns sítios, "batizou" grupos de lobby anti-Papa com o conhecimento dos bispos locais. A ação dos bispos em Portugal qual tem sido diante da tendência crescente que se manifesta até publicamente contra o Papa? Será tudo uma questão de "liturgia"?
Também não se pode dizer que não voltem a acontecer abusos quando relativizamos situações de imaturidade afetiva. As orientações da Santa Sé são cada vez mais claras quanto ao perfil do candidato ao presbiterado e quanto à condição fundamental de uma maturidade humana, afetivo-sexual. Parece-me que temos muito que cuidar na vida dos seminários, na atenção formativa e na corresponsabilidade dos bispos diante de todo o processo. Torna-se urgente assumir com mais seriedade a formação dos formadores de seminários e a dedicação ao tempo formativo. O que se tem feito em Portugal neste âmbito? Serão os Seminários e o acompanhamento vocacional uma real preocupação das dioceses de Portugal, cuidando e favorecendo os recursos humanos e competência formativa para a dimensão da missão? Parece-me que não.
Não existe também uma estratégia da Igreja em Portugal de atualização das orientações da Santa Sé para se lidar com os casos de denúncia de abusos sexuais.
As situações acontecidas em diversas dioceses manifestam a falta de formação no lidar com estas situações, mesmo até um não reconhecimento das orientações da Santa Sé, com formas díspares e desajustadas entre as dioceses. A este propósito, torna-se também necessário cuidar e acompanhar as situações de difamações, anónimas ou não, ajuizando de acordo com as mesmas orientações. É gravoso para a vítima de um abuso da parte de alguém, como é moralmente destruidora a difamação que cai em saco roto e, habitualmente, sem comunicados de reposição da verdade.
Penso e espero que o "compromisso em renovar a Igreja" comece na nossa casa, com práticas que mudem efetivamente muitas destas realidades nas quais temos andado um pouco adormecidos.
João Alves, no PÚBLICO
Pároco da Vera Cruz, diocese de Aveiro
NOTA: Foto da rede global
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