As férias são um justo tempo para repousar do trabalho, mas elas deveriam ser também, como diz o próprio étimo, a experiência de que o ser humano é um ser festivo e, assim, na serenidade, serem o tempo de reencontrar tempo para a família e para os amigos, tempo para ouvir o silêncio, tempo para a poesia e para a música, que nos remetem para a transcendência. Isso: contemplar e criar beleza - é a beleza que salva o mundo, dizia Dostoiévski -, admirar uma simples folha de erva com o orvalho da manhã, ver o Sol nascer a oriente e pôr-se a ocidente, exaltar-se com o alfobre das estrelas - "Duas coisas enchem o ânimo de admiração e veneração sempre novas e crescentes, quanto mais frequentemente e com maior persistência delas se ocupa a reflexão: o céu estrelado sobre mim e a lei moral em mim", escreveu Immanuel Kant -, dialogar com o Infinito. Em tempo de férias, é bom parar e ir ao essencial, para se poder evitar o pior: o desnorteamento, a desorientação, o vazio existencial. O essencial, de um modo ou outro, é em Deus que se encontra, mas numa experiência pessoal. Como no amor.
Não há dúvida de que hoje, concretamente na Europa, há uma crise da religião, que é sobretudo uma crise de Deus. Basta perguntar, de modo simples: para quantos é que Deus ainda conta realmente nas suas decisões vitais, tanto no domínio pessoal como no colectivo?
As estatísticas mostram uma queda acentuada e constante da chamada prática religiosa, no sentido da frequência da missa ou dos serviços religiosos. Mas, como sublinha o teólogo Juan Martín Velasco, o centro da actual situação religiosa é a "crise de Deus": há cada vez mais áreas da vida pessoal e social a afastar-se da influência da religião, de tal modo que não falta quem se pergunte se não vivemos já num "exílio" cultural de Deus, que se tornou um estranho no nosso mundo.
Apesar dos novos movimentos religiosos nas suas variadíssimas manifestações, tudo parece passar-se como se Deus não existisse. As próprias Igrejas e os crentes foram contaminados pela dúvida e pela descrença, sobretudo na forma da indiferença.
Vive-se numa situação de "cultura da ausência de Deus" (J. Moingt), tendo o filósofo B. Welte podido escrever: "A experiência predominante neste contexto religioso é a experiência de não ter feito nenhuma experiência religiosa, isto é, não ter sido afectado, nem, muito menos, transformado por algo que possa ser denominado Deus."
Mas não poderá ser esta "crise de Deus" ao mesmo tempo uma crítica e um apelo? Por um lado, uma crítica a todas as concepções idolátricas de Deus: o Deus tapa-buracos, recurso da nossa ignorância e impotência, o Deus como chave de abóbada do sistema sociopolítico e integrado pela razão no sistema explicativo da realidade. Por outro, o apelo a uma fé que esteja verdadeiramente à altura do Deus divino.
Foi neste contexto que Karl Rahner, talvez o maior teólogo católico do século XX, teve aquela afirmação profética: o cristão de amanhã "será místico" ou já não será cristão. Quando dizia "será místico", não se referia ao mero sentimento nem falava de mística com o sentido de fenómenos extraordinários, como visões, estigmas ou levitações, por exemplo. Queria apenas dizer que o cristão fará a experiência pessoal de Deus.
Fernando Pessoa tinha razão quando escreveu: "Não acredito em Deus porque nunca o vi." Se não houvesse, de facto, nenhuma experiência de Deus, se ele se não mostrasse, se não se desse nenhuma possibilidade de encontrá-lo ou, melhor, de ser encontrado por ele, como é que alguém poderia acreditar?
O homem religioso faz a experiência do sagrado, que a fenomenologia da religião também denomina de "mistério": Presença originante e doadora de toda a realidade, escreve J. Martín Velasco. É presença enquanto transcendência radical no centro da realidade e da pessoa e, assim, imanência, isto é, presença mais íntima à realidade e à pessoa do que a sua própria intimidade.
Definindo a mística como a união do "fundo da alma" (Mestre Eckhart) com o todo, o universo, o absoluto, o divino, a realidade última, Deus ou o Espírito, deve-se dizer que ela faz parte de todas as religiões, mas as suas formas são múltiplas, de tal modo que, para lá das místicas religiosas (monistas ou teístas), se pode falar de místicas "profanas", sem excluir a mística "ateia", que se dão em experiências-cume, como a união com e no todo, para lá do universo físico-empírico, na forma da unidade do real, da beleza, do bem ou do mistério incrível do ser.
A especificidade do crente teísta acontece na experiência de entrar em contacto com a realidade última transcendente-imanente pessoal, que se dá a si mesma em acto de presença. É nesta presença que ele encontra o sentido último e a salvação.
Há sinais de transcendência no mundo. Deus aparece implicado nas experiências radicais e originárias da experiência humana, sendo todas elas, em última análise, expressão do reconhecimento de que só no infinito o finito encontra a sua verdade, como bem viu o filósofo Hegel, quando escreveu que a filosofia é como a religião, pois também a religião não reconhece a finitude "como um ser verdadeiro, um último, absoluto ou como um não-posto, não criado, eterno". O finito tem a sua verdade no infinito, que o põe e cria.
Mística, etimologicamente, provém de myein, que significa fechar a boca e os olhos. Mas, agora, compreendemos que a mística autêntica é a "mística de olhos abertos". Quem faz a experiência de Deus como fonte originária criadora e amorosa, que continuamente está a criar tudo quanto há, sabe que no mesmo acto com que ama Deus ama toda a criatura e, em todo o seu quotidiano, está vinculado a Deus como a corrente à fonte.
Anselmo Borges no DN
Padre e professor de Filosofia