Hoje, vou tentar responder a perguntas que me fizeram sobre alguns temas que têm que ver com a religião.
1. A primeira pergunta é sobre a legitimidade ou não de baptizar as crianças. Há pais católicos que não baptizam os filhos, argumentando que são eles que devem decidir quando forem grandes. Recentemente, a ex-presidente da Irlanda Mary McAleese, uma católica influente no seu país, declarou que a prática do baptismo de crianças viola os Direitos Humanos. "Não se pode impor obrigações a pessoas com apenas duas semanas e não se lhes pode dizer aos 7 ou 8 anos ou aos 18-19: 'isto é o que contraíste, o que assinaste', porque a verdade é que o não fizeram." Para ela, o actual modelo de baptismo "funcionou durante muitos séculos, porque as pessoas não entendiam que tinham o direito de dizer que não, o direito de o não fazer". Embora vivamos agora "em tempos em que temos direito à liberdade de consciência, à liberdade de culto, à liberdade de religião e à liberdade de mudar de fé", a Igreja Católica "ainda não aceitou plenamente esta posição".
O que é que eu respondo? É claro que os pais que decidem não baptizar os filhos estão no seu direito. A argumentação é que não me convence. Porquê? A quem não baptiza os filhos, argumentando que não os devem condicionar, digo que, no limite, não deveriam também dar-lhes um nome, pois estão a condicioná-los (não se reflecte suficientemente sobre a importância do nome na formação da personalidade), não deveriam mandá-los à escola (porque é que hão-de ser alfabetizados e precisamente naquelas circunstâncias, sempre, inevitavelmente, naquelas?). Afinal, inevitavelmente, queiramos ou não, estamos, pela educação, a influenciar os filhos e a moldar o seu futuro. Quem reflectiu alguma vez seriamente sobre hermenêutica sabe de saber certo que não há educação neutra, quimicamente pura, absolutamente imparcial, pois ela não é possível, já que estamos inevitavelmente enraizados numa cultura e numa história... Ninguém começa de zero e o ser humano é sempre o resultado de uma herança genética e de uma cultura em história(s), em aberto. Quando despertamos para nós, já lá estávamos: somos originariamente passivos e construímo-nos sobre o dado, sendo o ser humano dom e tarefa (num belo jogo de palavras, em alemão: Gabe und Aufgabe).
Os pais querem o melhor para os filhos e, por isso, se são cristãos, baptizam-nos e querem dar-lhes educação religiosa. Mais tarde, pelo menos entre nós e nos países democráticos, os filhos poderão recusar a religião que lhes foi entregue como herança. Têm esse direito e dever, na responsabilidade: assumir a religião herdada ou recusá-la, mudar para outra, não ter religião.
2. Sim, a situação da Igreja australiana, e não só, é terrível e devastadora, por causa dos abusos de muitos milhares de menores por parte do clero e não só, e é urgente, irrecusável, inadiável, pôr termo à situação, julgando e condenando esses crimes segundo a justiça (na Austrália, a Real Comissão para o abuso de menores investigou as denúncias de 19 mil vítimas de abusos em instituições religiosas, estatais e de beneficência do país).
Mas a questão é que em vários estados da Austrália se avança com novas leis que penalizariam com multas de 10 mil dólares australianos (6300 euros) os padres que se neguem a denunciar à justiça civil casos de pedofilia conhecidos através do sacramento da confissão.
O que é que eu penso sobre a quebra do sigilo da confissão? Em entrevistas dadas a jornalistas, disse claramente que sou contra e que eu pessoalmente não revelaria em caso algum o que me é dito na confissão e penso que nenhum padre católico está disposto a fazê-lo, sejam quais forem as consequências. É sabido, aliás, que 600 padres australianos já declararam também que não denunciarão ninguém pelo que ouvem em confissão. Essas leis violam o princípio da liberdade religiosa: "Criam um precedente para a violação da liberdade religiosa na Austrália e a extra limitação do Estado no domínio do sagrado." Aliás, nem sequer há garantia de que o confessor conheça a identidade do penitente, concretamente se for no confessionário com rede.
Na União Europeia, o novo Regulamento Geral de Protecção de Dados mantém o direito ao segredo da confissão e o Código de Processo Penal Português é indubitável quanto a esta matéria.
3. Notícia oficial: "O Santo Padre nomeou arquivista e bibliotecário da Santa Igreja Romana o reverendo sacerdote José Tolentino Calaça de Mendonça, até agora vice-reitor da Universidade Católica Portuguesa, em Lisboa, elevando-o ao mesmo tempo à sede titular de Suava, com a dignidade de arcebispo. Assumirá o novo cargo a partir de 1 de Setembro de 2018."
Perguntam-me se é necessário o arquivista e bibliotecário da Igreja ser arcebispo. Evidentemente que não, pois até poderia ser um leigo ou uma leiga, desde que competentes. Nem percebo porque se diz "dignidade" de arcebispo, já que ser bispo não é uma dignidade, mas um serviço.
Prova de que não precisaria de ser um arcebispo está em que o Papa Francisco acaba de nomear pela primeira vez na história como prefeito de um dicastério (Ministério) da Cúria Romana, concretamente para o dicastério para a Comunicação, um leigo casado, o jornalista com vasto curriculum em matéria de comunicação e informação, Paolo Ruffini. Ainda bem!
De qualquer modo, no caso da nomeação do novo arcebispo, José Tolentino de Mendonça, dada a sua preparação académica multifacetada, abrangendo a teologia, os estudos bíblicos, a literatura, a poesia, bem como a sua experiência e vivência em pluralidade de mundos, é expectável que abra mais pontes da Igreja para a cultura e vice-versa, concretamente num tempo em que estruturas básicas culturais e civilizacionais são abaladas. Parabéns!
Anselmo Borges no DN
Padre e professor de Filosofia
Escreve de acordo com a antiga ortografia