VINDE, ESPÍRITO SANTO,
ENCHER OS CORAÇÕES HUMANOS E RENOVAR A TERRA
«Em qual destas esferas está o Espírito Santo a chamar-nos para crescermos em sabedoria e bom senso, em relação de proximidade e dedicação, em santidade de vida e de atitudes, em respeito pela criação?»
Hoje, a Igreja celebra a festa de Pentecostes, a festa do Espírito Santo que Jesus nos envia de junto de Deus Pai. Festa que é memória e profecia, celebração e invocação, dom e doação, comunhão e missão. Os narradores do acontecimento, Lucas e João, situam-no em datas diferentes. João faz-nos uma apresentação sóbria na tarde do domingo da ressurreição; e Lucas, passados cinquenta dias, quando os judeus vinham a Jerusalém para a comemoração da entrega da Lei no Sinai e do selo da aliança de Deus com o seu povo.
Ambos convergem na novidade feliz de que o Espírito se manifesta aos discípulos e lhes concede a abundância dos seus dons, dons que hão-de dar frutos ao longo dos tempos nas diversas culturas. Com o esforço humano. Deus nunca nos dispensa. Dons que, sendo diferentes, se harmonizam e enriquecem na comunhão. De contrário, nega-se o dom maravilhoso que nos manifesta: Fonte da diversidade na comunhão da unidade. Dar rosto visível e atraente e esta realidade constitui um verdadeiro desafio à Igreja de todos/as que somos nós e aos seus mais directos responsáveis.
O Papa Francisco ao receber os membros da «Associação Logia» da Bélgica, dirige-lhes uma mensagem cheia de são realismo e grande sabor espiritual. Refere que a chave da vida dos crentes é o Espírito Santo que os incumbe de “fazer visível a comunhão das diferenças”, “de desenvolver laços de fraternidade”. Ele é “o mestre do projecto” e quer “fazer crescer, com o vosso testemunho de vida, uma cultura de encontro e de diálogo no meio da sociedade”.
A contra-luz fica uma leitura da situação actual marcada pelo monólogo de surdos, pelo desencontro, pela anarquia moral e dispersão de valores, pelo figurino da uniformidade e do egoísmo individualista, e por tantos outros sinais que ensombram a nossa comum humanidade e somos chamados a debelar. Façamos nosso o verso magistral de Fernando Pessoa: “Deus quer, o homem sonha, a obra nasce”e, como outrora, o Infante D. Henrique lancemo-nos em novas ousadias a que o Espírito nos convida.
João 20, 19-23, leitura da missa de hoje, faz-vos ver que Jesus ressuscitado-crucificado concede aos discípulos, homens e mulheres, o Espírito Santo, que é o construtor da paz, o sopro criador que dá alento à vida humana e seiva a toda a criação, a força do perdão que reconcilia e cura feridas abertas ou cicatrizadas, o guia do projecto de salvação integral que está em curso na história até à sua consumação no findar dos tempos.
O Espírito Santo não se detém no passado por mais venerável que seja, nem foge para um futuro de sonhos inacabados, nem se deixa configurar pelos sinais místicos do ilusório desejado, mas intervém no presente e suscita a fidelidade criativa dos seus agentes, homens e mulheres. É Ele, afirma Manicardi, no seu «Comentário à Liturgia Dominical e Festiva», p. 88, “que articula e ordena na Igreja comunidade e pessoa, «todos» e «cada um», os dons e funções que enriquecem a mesma Igreja, ordena também obediência e criatividade, fidelidade e inovação”.
O agir do Espírito realiza-se em círculos concêntricos de progressiva abertura. Antes de mais no ser humano dotado de uma vocação original chamada à plenitude. A semente da vida divina está em nós, à maneira de gérmen, a partir da concepção e, de modo singular, do baptismo; é alimentada pelas bênçãos de Deus recebidas ao longo da vida, sobretudo nos sacramentos e na celebração dominical. Esta semente só alcança a plenitude no amor que sabe amar e fazer-se doação.
O segundo círculo, que engloba o primeiro, refere-se à comunidade cristã: família, grupos, associações, paróquias, diocese. O Espírito Santo constitui o centro de cada uma, sendo as relações interpessoais os canais por onde circula a sua vida em nós. “Com a vida de Deus a circular na comunidade, atesta Severino Pérez, na sua proposta de homilia para hoje, todos começam a buscar o bem comum, o bem de quem está próximo, o bem dos mais necessitados”.
O terceiro abre os horizontes a toda a humanidade, às criaturas e à criação. O Espírito Santo enche os corações e renova a face da terra, como nos recorda a oração cristã, a sua onda expansiva atinge toda a humanidade. Os ritos do culto e as doutrinas podem ser desconhecidos, mas a linguagem e o dinamismo do amor são universais. Hoje e sempre, erguem-se como luzeiros da Igreja e da humanidade homens e mulheres de todas as condições sociais e povos. Também entre nós. É preciso apreciar a sua acção, conhecer as suas vidas. Como Santa Joana Princesa e D. Leonor de Avis ou de Lencastre, as «Criaditas dos Pobres» e os membros das Conferências Vicentinas ou Irmandades de Misericórdia, o Padre Américo, o Frei Gil e tantos/as outras sem nome público na terra, estão tatuados nas mãos de Deus.
E uma pergunta oportuna surge espontânea na Festa do Pentecostes: Em qual destas esferas está o Espírito Santo a chamar-nos para crescermos em sabedoria e bom senso, em relação de proximidade e dedicação, em santidade de vida e de atitudes, em respeito pela criação? E com simplicidade humilde e confiante, rezemos alguns versos da Sequência da Liturgia deste domingo: “Vinde Espírito Santo, abrandai durezas para os caminhantes, animai os tristes, guiai os errantes. Vossos sete dons concedei às almas dos que em Vós confiam: Virtude na vida, amparo na morte, no Céu alegria”. Ámen!
Georgino