Para o Dia do Pai
Reflexão de Georgino Rocha
Jairo vive uma situação familiar aflitiva. A filha, uma adolescente de 12 anos, está gravemente doente. A esperança de cura esfumava-se cada vez mais, apesar de todos os cuidados medicinais. O pai sonha hipóteses que não resultam. Ouvindo falar que Jesus chegara à sua terra, após a travessia do mar de Tiberíades, e vendo uma numerosa multidão que o rodeava na praia, aproxima-se, cai a seus pés e diz-lhe com insistência: “A minha filhinha está a morrer. Vem e põe as mãos sobre ela para que sare e viva” (Mc 5, 23). A mulher, sua esposa e mãe da menina, ficara em casa a velar por ela, juntamente com familiares e amigos. O recurso a Jesus funciona como a última esperança e o amor não descansa enquanto não a vê, não a encontra.
Marcos, o evangelista narrador, situa este episódio no capítulo da cegueira do mundo, após o da cegueira das autoridades e antes da cegueira dos discípulos. Pretende ir desvendando a realidade de Jesus, o Filho de Deus humanizado, atento à vida e situações que a condicionam, profeta da verdade e força irradiante que brilha nos comportamentos pessoais e colectivos, amigo incondicional de todos/as, com especial desvelo pelos doentes e marginalizados pela ordem estabelecida, injusta e selectiva, discriminatória. Quem não se comove ao ver a morte chegar e não poder valer à pessoa amada, sobretudo se é familiar de sangue, se é filho/a? Jairo vive horas sofridas. A tudo se expõe e nada teme. E a sua confiança sai recompensada. E a figura do pai sai enobrecida, bem como a sua missão de cuidador solícito e a sua caminhada interior. Chega junto de Jesus por necessidade, fica por convicção, assume por amor a nova missão.
O Papa Francisco relembra na exortação “A Alegria do Amor” afirmações repetidas na cultura ocidental: “A figura do pai estaria simbolicamente ausente, distorcida, desvanecida. Até a virilidade pareceria posta em questão. “O problema nos nossos dias não parece ser tanto a presença invasora do pai, mas sim o facto de não estar presente”. E aduz, como possíveis, diversas razões (AL 176), reclamando uma atitude de clara e feliz identidade masculina que combine no seu trato com a esposa o carinho e o acolhimento. Seria grande o benefício para todos, mas sobretudo para o casal, os filhos e seu amadurecimento.
Jairo vê a sua súplica atendida não por palavras, mas por atitudes. Acompanhado, regressa a casa. No caminho, a sua paciência e a sua confiança são postas à prova. Primeiro, pela demora junto da mulher que sofria da perda de sangue; depois, pelo aviso/informação trazida por familiares de que a filha tinha morrido e de que não adiantava incomodar o Mestre. Momento crítico que podia fazer vacilar a sua convicção confiante. No entanto mantém-se firme e vê a sua decisão confirmada por Jesus: “Não tenhas receio; crê somente”. E o regresso a casa prossegue. Para alegria de todos.
“A volta a casa de Jairo, confessa Maria Serrano Gonçalves, autora do livro com o mesmo título, recordou-me o caminho espiritual que percorremos para chegar à plenitude humana, que é a plenitude de Deus: toda a experiência de Deus começa por uma saída de si, continua com um desprendimento, com uma libertação e, sobretudo, com uma abertura ao outro, uma abertura à vida humana. Esta abertura tão profunda ocorre a Jairo, que está em silêncio. Um silêncio que me fez descobrir muitos aspectos neste evangelho: da minha vida, da vida social e da vida religiosa”. Excelente testemunho de quem é mulher, esposa, mãe, médica e teóloga.
Jairo cede a iniciativa a Jesus. Chegados a casa, depara-se com um ambiente de choro e gritos, de confusão e luto. E Jesus reage afirmando que “a criança não morreu. Ela está apenas a dormir”. Acompanhado por Pedro, Tiago e João, dirige-se rapidamente para o quarto onde estava a menina adolescente. Manda que saiam todos, menos o pai e a mãe, aproxima-se dela, toma-a pela mão e diz: “Menina, Eu te digo, levanta-te». Ela levanta-se imediatamente e começa a andar, pois “já tinha doze anos”. Os acompanhantes, testemunhas do sucedido, ficam assombrados e ouvem de Jesus a recomendação para lhe darem de comer.
Jesus dirige a sua recomendação aos presentes: os pais e os discípulos, isto é a família e o núcleo original da Igreja. Responsabiliza-os por corresponderem às necessidades vitais de quem está debilitado e inseguro, mas tem o direito/dever de caminhar na vida, de fronte erguida. Sem intromissões indevidas, mas com o apoio indispensável. Como à ave que começa a voar. Ensaia vôos iniciais e cai. Quer erguer-se para viver. As outras aves não lhe cortam as asas, mas indicam-lhe o rumo e acompanham-na para se expandir livremente. E o vôo encantará pela novidade. Responsabiliza-os por narrarem a maravilha ocorrida: o amor que se faz serviço e a força da relação de ajuda. Responsabiliza-os por viverem e transmitirem a alegria da fé confiante. Agora, é a nossa vez!