MaDonA
Se alguém tiver recursos materiais e, vendo seu irmão em necessidade,
não se compadecer dele, como pode permanecer nele o amor de Deus?
1 João 3:17
Foi no dia de S. Valentim, adotado pelo mundo ocidental como o Dia dos Namorados. Uma correria desenfreada às lojas, às floristas, aos grandes hipermercados, na ânsia de adquirir a prenda mais requintada ou um simples mimo, com o mesmo objetivo – demonstrar ao mais-que-tudo, a prova, a intensidade do amor.
Faço parte do mundo atual, com tudo o que tem de bom e de mau e não me refugio “No meu tempo...” como muitos seniores fazem num saudosismo a saber a mofo.
Fui também fazer as minhas compras do dia, já que celebrar a amizade, o amor, enfim a vida é a palavra de ordem, todos os dias.
Foi neste contexto comercial, na entrada de um hipermercado da zona, que me deparei com a cena: um homem mal vestido, com ar subnutrido e aspeto acabrunhado, a pedir. Confrangeu-se-me o coração, ao constatar as desigualdades de uma sociedade consumista e hedonista, que gasta o dinheiro em coisas supérfluas, futilidades, enquanto há uma franja da população que não tem com que matar a fome. O olhar suplicante do pedinte cruzou-se com o meu, mas não obteve resposta. Há tanta gente desnaturada, insensível à miséria alheia, que responsabiliza o governo por este estado de coisas e delega nele a resolução do problema, enquanto grassa a fome!
Segui o meu caminho, fiz as compras, mas sem perder o homem de vista e do pensamento. Após tê-las colocado no carro, abeirei-me do senhor e inquiri se queria comer alguma coisa. De imediato anuiu e dentro de poucos minutos, encontrávamo-nos sentados à mesa, defronte um do outro, a lanchar. Escolheu o que desejava e comeu sofregamente o que ali pode saciar-lhe a fome, pelo menos uma vez no dia. Entre lamentos e desabafos, foi contando que nada ingerira nesse dia e estava desempregado. Tinha a idade de 57 anos, demasiado novo para estar reformado e já demasiado velho para se admitido em qualquer empresa. Os paradoxos de uma sociedade que se intitula democrática e humanista.
Foi desfiando o seu rosário de amarguras e reveses e referindo as suas origens familiares. Eu até conhecia os seus progenitores, quase vizinhos dos meus pais.
As vicissitudes da vida fizeram com que nos tivéssemos afastado e perdi-lhe o rasto.
Foi confessando, com tristeza no olhar, que aceitava qualquer biscato que lhe aparecesse e foi enumerando as tarefas que sabia desempenhar. Quase tudo.
Não lhe dei esmola, pois isso ter-me-ia colocado numa posição de superioridade, trazendo-me um sentimento de desconforto. Estender a mão à caridade é o mais baixo a que pode chegar a condição humana. Todos têm direito a uma vida digna e honesta e nunca devemos olhar ninguém com sobranceria. Essa máxima foi-me transmitida por Gabriel Garcia Marques “Nunca olhes ninguém de cima, a não ser para o ajudar a levantar-se!”
Hoje, tenho um colaborador para os meus trabalhos de jardinagem e horta biológica. Em vez de esmola, dei trabalho àquele senhor.
O amor ao próximo também cabe no dia de S.Valentim.
MaDonA
09.03.2018