Georgino Rocha
Georgino Rocha |
Jesus não pára de surpreender. Tal é a vontade de dar a conhecer a novidade de que é portador e, neste domingo, se condensa na singular relação com Deus que se realizará no seu corpo. Como bom judeu, vive a religião do seu povo, observa preceitos e tradições, vai ao culto na sinagoga, faz visitas ao templo de Jerusalém. Por meio destas atitudes, expressa a sua especial comunhão com Deus e solidariza-se com os fiéis devotos, examina o valor dos ritos e dá conta da incoerência de certos comportamentos humanos. Ouve os mestres a darem explicações da Palavra, a Torá e os Profetas, ousa fazer perguntas e vai construindo uma visão complementar, alternativa (Lc 2, 46-50).
“Aproximava-se a festa da Páscoa dos judeus e Jesus subiu a Jerusalém”, informa João o autor do relato que estamos a meditar; relato que surge após o episódio das bodas de Caná e antes da conversa com Nicodemos; relato que desvenda, ainda que suavemente, a novidade pascal que revestirá o seu corpo glorificado, o novo e definitivo templo de Deus. Os outros evangelistas colocam a cena da expulsão dos comerciantes e cambistas e da purificação do templo mais à-frente e realçam a sua relação com a prisão e o processo que se segue.
Os discípulos acompanham Jesus. São testemunhas da sua acção violenta, da sua interpelação veemente e acusatória. São testemunhas da verdade dos factos e fazem-se sua “memória”, após a ressurreição. “Quando Ele ressuscitou dos mortos, os discípulos lembraram-se do que tinha dito e acreditaram na Escritura e na palavra de Jesus”, esclarece o nosso texto. A memória dos discípulos é como que “activada” pelo Espírito Santo, o encarregado de fazer saber a verdade e avivar a relação experienciada e, mais tarde, potenciada pela nova situação. O evangelista escreve provavelmente nos finais do século primeiro, o que o leva a fazer a composição do texto não apenas com o que sucedeu, mas com factos históricos entretanto ocorridos e outros elementos provenientes das comunidades cristãs e das suas necessidades face às novas correntes culturais e religiosas.
A reacção de Jesus provoca uma onda de choques impressionante: Ao chegar, vê o “espectáculo” e liberta a emoção acumulada; faz um chicote e expulsa homens e animais; derruba mesas e espalha por terra o dinheiro dos cambistas; e, finalmente, dá uma explicação: “Não façais da casa de meu Pai casa de comércio”. E adianta depois: “Destruí este templo e em três dias o reedificarei”. Estava dado o maior choque e desafio. Estava dada a resposta provocadora aos chefes dos judeus que o haviam interpelado e pedido um sinal da autoridade para assumir tal atitude.
O templo de pedra, glória de Israel, casa de encontro do povo de Deus e centro da vida religiosa na cidade de Jerusalém e na diáspora, não apenas é limpo e purificado, mas substituído pelo corpo humano de Jesus, após a ressurreição. O corpo glorioso de Cristo faz-se presente no coração/consciência de cada ser humano, na comunidade cristã reunida em seu nome, na acção litúrgica, designadamente na celebração da eucaristia, na instituição da Igreja que serve a missão, no bem comum construído com o esforços de cada um/a, no cuidado das criaturas e da criação. Está presente com intensidades diferentes, mas reais. Vejamos duas que mais nos podem interpelar.
A consciência precisa de estar em sintonía com a verdade que liberta de complexos e culpas doentias, de acomodações fáceis e de “vozes de sereia”, de preconceitos e egoísmos, de outros vícios como nos lembra a 1ª leitura de hoje. A necessidade da limpeza é fruto de quem vive na poluição do tempo que marca o ritmo da história. Como as janelas da casa de família: A sujidade acumulada impede a visão clara do que está em frente e gera confusões tremendas e acusações injustas. Assim fazia a dona da casa que via a janela da vizinha a partir da sua cheia de poeiras e ciscos. Será muito aconselhado fazer uma visita à consciência e procurar a transparência desejada. E a verdade de Cristo iluminará a nossa vida.
A celebração da eucaristía em que a assembleia é reunida no amor de Cristo. Cada participante entra na nova dimensão que a tomada de consciência suscita e fomenta. Entra e é convidado a viver. A viver no silêncio que respeita os outros em oração e prepara o coração para a escuta da Palavra; silêncio que revela a atenção dispensada ao espaço sagrado em que se encontra e irradia a convicção profunda que brota do seu interior. Cada participante é convidado a fazer a experiência da felicidade de tomar parte na ceia do Senhor, de comungar. Muitos aceitam o convite. Outros vão adiando a resposta. Oxalá que por razões sérias. S. Paulo exorta os cristãos de Corinto, dizendo: Examine-se cada um antes de comungar; se o fizer indignamente, corre o risco da condenação (I Cor 11, 28-29). Que tal não nos aconteça, Senhor!
O Papa Francisco vem dedicando a catequese das quartas-feiras à liturgia da missa. Preocupa-o, e a nós também, a verificação da falta de familiaridade de muitos cristãos com a celebração: no seu conjunto e em cada parte, nos gestos e palavras, nos sinais e nos ritos. O programa pastoral da nossa Diocese pede-nos um esforço redobrado nesse sentido. Demos-lhe uma resposta positiva e manifestemo-la pelas nossas atitudes na celebração.
“Ide em paz e o Senhor vos acompanhe” é lema mensagem que acompanha o envio dos membros da assembleia dominical. A missão prolonga a alegria celebrada, a novidade vivida, a comunhão partilhada, o amor/caridade afirmado, a convivência reforçada. Vamos semear a paz resultante da experiência de fraternidade revigorada. E a novidade de Cristo brilhará no nosso estilo de vida e no cuidado da “casa comum” como nos lembra a mensagem da Cáritas, hoje, domingo que culmina a semana que mobiliza milhares de voluntários na recolha de bens para auxílio dos mais pobres, o rosto de Cristo necessitado.