Reflexão de Georgino Rocha
Maria virou-se e viu Jesus
É manhãzinha. Maria Madalena está sentada à beira do túmulo de José de Arimateia. Tinha ido, com outras mulheres, ultimar o ritual de despedida que se fazia a pessoas de bem. A surpresa apanha-a em cheio. O coração havia ficado preso a sexta-feira “de trevas”, sobretudo ao enterro de Jesus, de que fora testemunha. Agora, a pedra de entrada tinha sido removida, o sudário arrumado e dobrado o lençol. Dir-se-ia que tudo estava disposto com o cuidado de quem termina a missão recebida. Surgia o vazio com toda a sua eloquência, a ausência com todo o seu enigma a suscitar dúvidas, a levantar interrogações. As lágrimas da saudade intensificam-se com hipóteses de desrespeito, de profanação, de rouba. Olhava para o chão e estava cheia de medo, diz o texto de Lucas, pois “dois homens, com roupas brilhantes, pararam perto delas e disseram: Porque procurais entre os mortos Aquele que está vivo? Ressuscitou”. (Lc 24, 1-12; Jo 20, 1-9).
“A manhã desse primeiro da semana, explica a Bíblia Pastoral em nota de rodapé, marca a transformação radical na compreensão e respeito do homem e da vida. O projecto vivido por Jesus não é caminho para a morte, mas caminho aprovado por Deus que, através da morte, conduz à vida. Doravante, o encontro com Jesus realiza-se no momento em que os homens se dispõem a anunciar o coração da fé cristã”.
Maria Madalena responde à pergunta feita: “Porque levaram o meu Senhor e não sei onde o colocaram”. E levada por um impulso irresistível “virou-se e viu Jesus de pé, mas não sabia que era Ele”. Só o vem a reconhecer quando ouve o seu nome: “Maria”, e ela o identifica, exclamando “Rabuni, que quer dizer Mestre”. O diálogo prossegue com declarações de Jesus que definem a realidade da sua nova situação e a encarregam de “ir dizer aos Meus irmãos: «Subo para junto de Meu Pai, que é vosso Pai, de Meu Deus, que é vosso Deus». E ela, a correr, parte imediatamente a anunciar aos discípulos: “Eu vi o Senhor. E contou o que Jesus Lhe tinha dito”.
O Papa Francisco apresenta Maria Madalena como apóstola da esperança e declara a celebração da sua memória como festa litúrgica na Igreja Católica. Ao reflectir sobre o texto que meditamos afirma: “Como é bonito pensar que a primeira aparição do Ressuscitado — segundo os Evangelhos — teve lugar de um modo tão pessoal!... Jesus chama-a: «Maria!». A revolução da sua vida, a revolução destinada a transformar a existência de cada homem e mulher, começa com um nome que ressoa no jardim do sepulcro vazio. Os Evangelhos descrevem-nos a felicidade de Maria: a Ressurreição de Jesus não é uma alegria concedida a conta-gotas, mas é uma cascata que abrange a vida inteira. A existência cristã não é constituída por pequenas felicidades, mas por ondas que subvertem tudo. Procurai pensar também vós, neste instante, com a bagagem de desilusões e de reveses que cada qual tem no seu coração, que há um Deus perto de nós que nos chama pelo nome, dizendo: «Ergue-te, para de chorar, porque Eu vim libertar-te!». Isto é bonito!”
Também Pedro e João vão ao túmulo. A correr. Sentem necessidade de confirmar a notícia que lhes chega. O testemunho das mulheres era insuficiente e alarmantes os dizeres. O ritmo da corrida é diferente. João, mais novo, chega primeiro. O amor gera energias revigorantes. Inclina-se para ver dentro, dá conta da veracidade do testemunho delas e aguarda. Pedro entra logo no túmulo, vê tudo arrumado e fica apreensivo, reservando para mais a sua leitura do ocorrido. Atitude estranha num homem espontâneo e impulsivo. Seria fruto positivo da negação fácil do Mestre no pretório de Pilatos? Cautela e prudência face à gravidade da situação? Medo perante o que poderia acontecer, pois os boatos de roubo já corriam de boca em boca? A razão principal era outra: “Ainda não tinham compreendido a Escritura que diz: Ele deve ressuscitar dos mortos”. De facto, só a fé projecta a luz indispensável ao acesso a esta verdade sublime que enche de sentido a vida humana.
Vai anunciar aos Meus irmãos, continua Jesus ressuscitado a dizer-nos pessoalmente. O modo de estar convosco e me relacionar, agora, passa por sinais e símbolos que constituem sacramentos da minha acção salvadora: o amor de busca persistente como o de Madalena, a caminhada interior dos peregrinos de Emaús ao ouvirem a explicação da Sagrada Escritura e ao participarem no “partir do pão”, a reunião dos apóstolos e tantos outros discípulos (a nossa assembleia dominical), o anúncio do Evangelho e a missão sanadora que lhes é confiada, as feridas cicatrizadas que servem a Tomé para passar da dúvida cautelosa à fé envolvente, a vida de todos os dias como a dos pescadores no mar da Galileia, a defesa e promoção da dignidade humana, a aliança desejada de jovens e idosos, os factos ocorrentes e os acontecimentos marcantes, o cuidado da criação e de tudo que lhe diz respeito e muitos outros, constituem referência marcante da presença e acção do Ressuscitado, hoje, aqui e agora. Modos que a liturgia dominical nos vai apresentar, sobretudo ao longo do Tempo Pascal.
A fé cristã sabe identificar esta presença e cooperar nesta acção. E provoca um encontro feliz. Será Páscoa na tua vida. Experimenta!