Anselmo Borges no DN
Anselmo Borges |
1. Dá que pensar. Segundo o Código de Direito Canónico, o Papa é o homem mais poderoso, já que tem "poder ordinário, que é supremo, pleno, imediato e universal na Igreja, que pode exercer sempre livremente". No entanto, Bento XVI, que resignou, marcando com esse gesto corajoso a história do papado, veio dizer mais tarde que o Papa pode menos do que se julga. O teólogo José M. Castillo revelou recentemente que pouco tempo antes da sua renúncia uma personalidade muito importante em Roma lhe disse: "Reza pela Igreja, que está tão mal que já não pode cair mais baixo."
Os cardeais foram buscar o sucessor "ao fim do mundo", o primeiro Papa jesuíta e latino-americano da história, que escolheu como nome Francisco, indicando já aí todo um programa. Foi há cinco anos, no dia 13 de Março de 2013.
A revolução de Francisco é simples e é toda: é um Papa cristão, não porque é baptizado mas porque tenta ser discípulo de Jesus. Acredita no Evangelho como notícia boa e felicitante para ele próprio, isso mesmo: para ele próprio, em primeiro lugar. Não acredita por obrigação ou imposição exterior, histórica ou social, mas simplesmente porque é a mensagem mais humanizante e libertadora que ele conhece: Deus é amor incondicional e o seu único interesse é a alegria, a felicidade de todos os homens e mulheres e a sua plena realização na vida e na morte.
Porque esta notícia é boa e felicitante para ele, quer levá-la a todos, por palavras e obras. É simples e é tudo. Por isso, o seu pontificado está sob o lema da alegria - dedicou duas exortações à alegria: "A alegria do Evangelho", "A alegria do amor" - e da misericórdia: "o nome de Deus é misericórdia" e o Evangelho é portador de alegria. O resto é consequência desta chama, retomando a primavera do Concílio Vaticano II. Para a pedofilia, tolerância zero e, para o Banco do Vaticano, a transparência tem de ser a lei. A Igreja é uma "Igreja em saída", que deve ser "hospital de campanha", que cura as feridas, também dos católicos em "situação irregular". Como diz José M. Vidal, "Francisco quer acabar com uma Cúria entendida como maquinaria de poder", pondo-a ao serviço do Papa e da Igreja universal. "A Igreja somos nós todos" e é preciso passar de uma Igreja imperial para uma Igreja ao serviço de todos, passar de uma Igreja piramidal, na qual a relação é hierarquia-leigos, para uma Igreja comunional, na qual a relação é comunidade-ministérios, serviços. A Igreja é a única instituição verdadeiramente global e, por isso, necessita de descentralização. Francisco não quer padres "funcionários" nem bispos "príncipes": o clericalismo e o carreirismo são, com a "corte papal", "a peste da Igreja". Tarefa essencial é a democratização, com a participação de todos, também das mulheres, nos lugares cimeiros de decisão: o que é de todos deve ser decidido por todos. O celibato dos padres não é um dogma e há abertura para a ordenação de homens casados. Nunca mais houve condenação de teólogos, que devem colocar a fé a dialogar com a ciência, o mundo e o futuro.
Francisco sublinha veementemente a importância da ecologia e da salvaguarda da criação e do meio ambiente: a encíclica Laudato sí fará história. Rasga horizontes novos nos caminhos do diálogo ecuménico com as outras igrejas cristãs e também do diálogo inter-religioso. Porque os bens têm de estar ao serviço de todos, quer que a economia funcione, mas critica de modo duro modelos económico-financeiros que criam exclusão e "matam". É um líder político-moral global, talvez o mais amado e influente. "A Terceira Guerra Mundial está em curso, aos pedaços" e o perigo é que se torne total e nuclear. E aí estão os seus apelos constantes à paz, ao acolhimento dos refugiados e as suas visitas a países das periferias, com uma diplomacia de pontífice (que estabelece pontes), para Cuba, para a Colômbia, para a Coreia... Desígnio maior é ir a Moscovo e a Pequim, podendo, aliás, estar iminente um acordo entre o Vaticano e a China.
Francisco conseguirá a renovação funda da Igreja? Síntese e cruzamento de franciscano e jesuíta precisa ainda de tempo para que as mudanças se tornem irreversíveis. Mas o problema não é só dele, pois o essencial é a conversão dos mediadores - cardeais, bispos, padres - ao Evangelho e a cristãos. Precisará, no entanto, também de nomear mais um conjunto de cardeais bergoglianos que continuem, após a sua morte ou resignação, o trabalho ingente que iniciou.
2. Eu não entendo que haja bispos das Forças Armadas, pois isso lembra "o Deus dos Exércitos" do Antigo Testamento. O novo bispo do Porto, Manuel Linda, é de lá que vem, mas com uma tese de doutoramento sobre o célebre antecessor, D. António Ferreira Gomes, e com o espírito de Francisco, como declarou na sua mensagem aos católicos, afirmando que está com todos mas de modo especial com os débeis, os doentes, os mais carenciados e prometendo que "procurará reconduzir a Igreja a uma tal simplicidade evangélica que a constitua referencial ético para o mundo actual".
Dizia-me recentemente uma figura eminente da cultura e da política que um bispo actual e de acordo com o Evangelho deveria renunciar ao palácio e ir viver para um apartamento modesto, acabar com o "Dom" a anteceder o nome, conduzir ele mesmo o seu carro utilitário, reunir-se todas as semanas com pessoas e grupos de horizontes vários. Afinal, o que quer e promete o novo bispo do Porto, que se diz fã do Papa Francisco a "200%".
Fica aqui uma saudação cordial ao conterrâneo ilustre, com os melhores votos de belas realizações apostólicas, segundo o Evangelho, na continuação do "legado deixado pelo seu imediato antecessor, D. António Francisco, que se notabilizou pela sua preocupação com os mais desfavorecidos e com os que mais sofrem", como lembrou Sebastião Feyo de Azevedo, reitor da Universidade do Porto.