Reflexão de Georgino Rocha
A Eucaristia é a celebração da ceia do Senhor, ceia que Jesus realiza com os discípulos a quem deixa este mandato: “Fazei isto em memória de mim”. É a ceia do lava-pés, da entrega livre por amor que vem a ser consumado no sacrifício da cruz. É a ceia do avental de serviço mantido como distintivo do Mestre que quer ver perpetuado em gestos de humanização progressiva e qualificada: “Felizes sereis se o puserdes em prática”.
A Igreja assume esta missão e vê na eucaristia o centro e o vértice da sua acção pastoral. Como centro, supõe um percurso que une os lados, as “periferias”, e encaminha para esse núcleo. Em linguagem consagrada é a iniciação cristã. O centro ergue-se até ao cimo, em figura de pirâmide ou poliedro. São as subidas à perfeição da vida ética e moral pela construção do “homem interior” e as descidas para o quotidiano do viver cristão marcado pelas bem-aventuranças e pelos sacramentos de serviço.
Esta síntese pode ajudar a configurar a pastoral em torno à eucaristia, e que o programa diocesano se propõe assumir este ano. Sem as virtudes teologais e morais, quer dizer, sem fé-esperança-caridade; sem prudência-justiça-fortaleza-temperança, o humano cristão não tem alicerces seguros nem o exercício da cidadania tem qualquer marca diferenciadora da novidade que brilha nas bem-aventuranças. Sem os dons do Espírito Santo desabrocharem em frutos visíveis de comportamentos éticos adequados, a maturidade espiritual fica longe, muito longe.
A celebração da Eucaristia visualiza em gestos sacramentais o rosto de Jesus que, por cada pessoa e por toda a humanidade, serve por amor. É uma maravilha o que nos oferece! É uma oportunidade grande poder participar e redimensionar a dignidade que nos vem de sermos amados, sem condições. E chamados à liberdade para amar ao jeito de Jesus. Só no horizonte da liberdade se compreende a entrega de Jesus, agora em forma sacramental, em atitudes de vida e escala de valores prioritários.
A abertura da celebração faz-se em nome do Pai, do Filho e do Espírito Santo, a Santíssima Trindade que nos reúne no amor de Cristo. É o primeiro grande serviço: da dispersão à união, e do anonimato a pessoas em relação de amor qualificado. Manifesta, de forma apelativa, uma nova dimensão do que somos: Somos assembleia convocada. Não indivíduos entregues a si mesmos, ensimesmados, a cumprir deveres religiosos… Tem sido grande a renovação da consciência de pertença, mas quanto não falta fazer!
Assembleia de pessoas que experimentam no dia-a-dia a fragilidade humana, com energias debilitadas e feridas consentidas. E vem o rito penitencial como serviço à nossa humanidade e ao reconhecimento de que somos pecadores perdoados, de que o amor de reconciliação é sempre maior. Pecado pessoal que se repercute e cria mentalidades e estruturas. De que havemos de ser libertos pela graça de Deus e esforço humano. Com esta certeza, podemos erguer o coração para, como Maria de Nazaré, cantar a glória de Deus e louvar a sua infinita misericórdia.
E assim pacificados interiormente, cresce a nossa capacidade de escuta. É proclamada a Palavra de Deus que é salvação, luz para o nosso viver quotidiano, o nosso peregrinar na história e seus caminhos. Uma certeza nos assiste como recordou, há dias, o Papa Francisco: Um pecador pode ser santo; um corrupto, não. Ajudar a avivar a consciência do que podemos ser e as suas exigências éticas é um serviço apreciável ao coração humano e à sua aspiração fundamental à felicidade. A palavra faz desabrochar a fé católica e a prece universal, atitudes singulares da ressonância vivida e da comunhão avivada.
Esta ressonância converte-se em oferta de dons, frutos da terra e do trabalho humano. São o pão e o vinho que, por força do Espírito Santo, se convertem em corpo e sangue de Jesus, o pão da vida e o vinho da salvação. Nesta oferta faz-se presente a criação e as criaturas, o cuidado da natureza e dos seus bens, o trabalho humano e sua dignidade, o ser humano e o cosmos. Que maravilha! Todo o universo se apresenta ao seu Senhor!
O amor faz-se serviço, de modo especial, na anáfora de consagração. Na primeira parte, acontece a transformação dos dons em corpo entregue e sangue derramado “por vós e por toda a humanidade”; na segunda, é a graça de “sermos um só corpo”, de a Igreja viver em caridade, de a comunhão abranger todos os que estão ao serviço do povo santo de Deus, disperso pelos quatro cantos da terra. Graça que envolve a liberdade humana educada para a verdade do ser cristão, discípulo missionário de Jesus Cristo por quem a Igreja dá louvores a Deus Pai na unidade do Espírito Santo.
Os participantes na celebração são convidados a aceitar o convite da refeição sagrada, a experienciar a felicidade de tomar parte na ceia do Senhor. Renovam a sua fé no amor de Deus Pai, reconhecem que são indignos de tão grande mercê, (como outrora o centurião de Cafarnaum), avançam confiantes na eficácia da Palavra, e, com humildade agradecida, recebem a comunhão. E Jesus, em forma de sacramento, faz-se nosso alimento, humaniza-se connosco para nos divinizar com ele. É o serviço consumado, sempre em renovação, até que Cristo seja tudo em todos. É o serviço a realizar-se em gestos e atitudes de doação generosa em benefício dos preferidos do Evangelho, os pobres de Deus. É o serviço à alegria do Evangelho que brilha na dignidade humana e seus reflexos culturais, na verdade e seus clarões éticos, na liberdade de comunhão e seus laços solidários.
Eucaristia, o amor faz-se serviço. Vale a pena reforçar o alcance social das nossas celebrações.