Uma águia nunca voa só |
Há anos, tive o privilégio de me cruzar com Leonardo Boff, um animador da teologia da libertação e um homem de visões largas ao modo da águia que, nas alturas, pode ampliar horizontes do planeta que habitamos. Dissertou, na conferência que proferiu no Porto, sobre ecologia, planeta terra, natureza e Deus, sem ousar sequer tocar, por mais levemente que fosse, na sua situação de padre a quem a cúria romana tentou cortar as asas e a amplitude do olhar e do sonho só possível de quem deseja fugir da limitada visão do terreiro que a galinha habita.
Vem isto a propósito
de eu completar hoje 79 anos e de me abalançar a algumas
cogitações próprias de quem olha para trás em busca de algo
marcante que tenha moldado, de alguma forma, a minha maneira de ser e
de estar no mundo. E daí, o filme da minha existência passou a
correr até estacionar num livro de Leonardo Boff – A águia e a
galinha - Uma metáfora da condição humana – que me fez pensar.
Recomendou-me o autor e conferencista, na hora dos autógrafos:
«Fernando: Dê asas à águia que se esconde em você! L. Boff»
Embora nem sempre
consiga seguir esse seu conselho, que a vida é feita de imprevistos,
alegrias e deceções, procuro sair, no dia a dia, da pachorrenta
banalidade da existência, se não pela coragem de viajar, ao
menos pela riqueza de sonhar, que aí dificilmente alguém me leva a
palma. E nesse sonhar, olho para mais uma passagem do referido livro:
«É a hora e a vez da águia. Despertemo-la. Ela está se agitando
nas mentes e nos corações de muitos. Não só. Ela anima a história
e penetra na própria realidade íntima de cada ser humano. Uma
águia nunca voa só. Vive e voa sempre em pares.» E mais adiante:
«Cada um hospeda dentro de si uma águia. Sente-se portador de um
projeto infinito. Quer romper os limites apertados do seu arranjo
existencial. Há movimentos na política, na educação e no processo
de mundialização que pretendem reduzir-nos a simples galinhas,
confinados aos limites do terreiro. Como vamos dar asas à águia,
ganhar altura, integrar também a galinha e sermos heróis de nossa
própria saga?»