São Miguel - Açores |
Ouve tu, meu cansado coração,
O que te diz a voz da Natureza:
— «Mais te valera, nu e sem defesa,
Ter nascido em aspérrima solidão,
Ter gemido, ainda infante, sobre o chão
Frio e cruel da mais cruel devesa,
Do que embalar-te a Fada da Beleza,
Como embalou, no berço da Ilusão!
Mais valera à tua alma visionária
Silenciosa e triste ter passado
Por entre o mundo hostil e a turba vária,
(Sem ver uma só flor, das mil, que amaste)
Com ódio e raiva e dor... que ter sonhado
Os sonhos ideais que tu sonhaste!» —
Antero de Quental,
in "Sonetos"
Nota: Durante este ano de 2017, entraram em minha casa duas edições de Sonetos Completos de Antero de Quental. A primeira, com prefácio de Ana Maria Almeida Martins, e a segunda, de José Manuel dos Santos. Foram outros tantos motivos para reler os sonetos do grande Antero e para saborear os textos dos prefaciadores.
Ana Maria sublinha que «Sonetos Completos é uma das obras mais traduzidas de toda a literatura portuguesa», acrescentando que «Miguel de Unamuno referir-se-á sempre a Antero como “el autor de los immortales Sonetos […] Quental ha sido una de las almas más atormentadas por la sed de infinito, por el hambre de eternidade. Hay sonetos suyos que vivirán cuanto viva la memoria de las gentes”».
Por sua vez, José Manuel dos Santos diz, logo a abrir, que «Ler poesia é dar a um segredo a possibilidade de ser nosso. O livro que o leitor tem nas mãos esteve, desde a sua primeira edição, nas mãos de sucessivos leitores, que o leram como quem ouve uma voz que o silêncio atacou, mas não conseguiu possuir». E mais adiante refere: «Nos “Sonetos”, há a força feroz dos mares, o risco rápido do relâmpago e do raio, a rouquidão rupestre das pedras e dos penhascos.»
Aqui fica uma sugestão de leitura, integrada na rubrica Ares de Outono.
FM