Reflexão de Georgino Rocha
A missão confiada por Jesus aos discípulos comporta muitos riscos. E os ouvintes não demoram a reagir. Surge toda a espécie de atitudes: abandono, descrédito, difamação, perseguição, morte. Mateus que narra o discurso missionário deixa perceber o ambiente em que viviam as comunidades cristãs hostilizadas pelos judeus. E a previsão anunciada é já comprovada pelos factos. O texto será possivelmente dos anos 70. E mantém toda a actualidade. Não faltam situações a testemunhá-lo.
“Não tenhais medo dos homens”, repete a narrativa hoje proclamada na liturgia. E aduz várias razões, das quais se salientam as seguintes: toda a verdade virá a ser conhecida e nada ficará oculto; os segredos de todas as espécies serão desvendados em público; a temível morte do corpo não é o pior, mas a perdição definitiva da vida plena a que estamos chamados; a certeza confiante e serena de que Deus é Pai solícito que sempre vela por nós, a afirmação clara de Jesus que garante estar sempre com aqueles que envia em missão e lhe são fiéis. Razões a lembrar, sobretudo em tempos de acontecimentos que provocam medos tremendos. Como o nosso.
Em 2009, o Papa Bento XVI visita Angola e tem um encontro com jovens no estádio dos Coqueiros, em Luanda, e diz-lhes: “Coragem! Ousai decisões definitivas, porque na verdade são as únicas que não destroem a liberdade, mas lhe criam a justa direção, possibilitando seguir em frente e alcançar algo de grande na vida. Sem dúvida, a vida só pode valer se viverem com a coragem da aventura, a confiança de que o Senhor nunca vos deixará sozinhos”. “Juventude angolana, liberta de dentro de ti o Espírito Santo. Confiai nele como Jesus, arriscai este salto no definitivo. Assim, serão criados, entre vocês, ilhas, oásis e grandes superfícies de cultura cristã onde se tornará visível aquela cidade santa que desce do céu”, acrescentou. Agora, na celebração do Congresso Eucarístico celebrado na Festa do Corpo de Deus em Huambo (ex-Nova Lisboa) foram proclamados apelos igualmente significativos.
“A mensagem que desperta a esperança dos pobres e descartados é revolucionária para a ordem social e religiosa do judaísmo… A ordem da religião judaica baseava-se na desigualdade: uma minoria dominava a maioria inculta e amedrontada”, afirma San Román, padre jesuíta. E continua: “A mensagem de Jesus desestabiliza a falsa paz. Proclama que não há razão para ter medo à liberdade”. Os seres humanos são donos da sua vida e, juntos, devemos construir uma sociedade mais livre, mais harmoniosa, mais cuidadora da natureza, como pede o Papa Francisco na encíclica Louvado sejas (Laudato Si).
Jesus convida-nos a não ter medo, a colocar a nossa confiança em Deus Pai que deseja o melhor para todos/as. Não ter medo de nós mesmos, nem das ocorrências, nem dos outros, nem de presumíveis forças nefastas ou de surpresas malévolas. O medo paralisa e impede a construção de um futuro apetecível, assente na esperança que dá consistência a toda a realidade vindoura. A ameaça que pende sobre a nossa condição humana, frágil e limitada, faz-nos sentir o peso do temor. É natural. A educação para o equilíbrio emocional e a prática de uma espiritualidade positiva ajudam a minorar as repercussões que as emoções nos criam e as imagens que nos chegam provocam.
“O que pode fazer um padre numa tragédia como a de Pedrogão” é o título de uma reportagem da Renascença na segunda–feira, dia 19. A radio entrevista o bispo de Coimbra, D. Virgílio Antunes que faz eco de conversas com padres da região atingida e de desabafos das populações que visita. Pelo seu realismo e vivacidade, transcrevem-se apenas breves parágrafos.
Muitos dos que sobreviveram, de uma ou de outra forma, aos fogos que estão a destruir parte da zona Centro do país usam expressões de religiosidade popular para manifestar o que lhes vai na alma. Numa tragédia como esta, a espiritualidade é também uma dimensão importante da vida das populações. Mas o que podem fazer os padres numa altura tão difícil, em que muitos também perdem a fé?
O bispo de Coimbra, D. Virgílio Antunes, ajuda a Renascença a encontrar algumas respostas. “Há um campo muito grande para a Igreja, que é o de acompanhar. A Igreja não precisa de vir com muitos discursos nem com muitas palavras nem raciocínios nem explicar tudo. Precisa de estar presente, acompanhar e rezar com as pessoas. Precisa de as ajudar a despertar a dimensão espiritual e despertar fé”, salienta. Esta é uma região em que as pessoas “têm um sentido da fé muito humilde por um lado, mas muito apurado por outro.” Não tenhais medo. Eu estou convosco. Confiai e trabalhai. O Pai do Céu cuida de nós, repete a fé cristã