Reflexão de Georgino Rocha
A cura do cego de nascença provoca uma subida de tensão entre os fariseus e Jesus. A oposição é clara. O povo inclina-se para dar razão ao proceder de Jesus e distanciar-se dos mestres da Lei. A polémica sobe de tom e a linguagem também. O confronto avizinha-se e estala na Festa das Tendas. Jesus pronuncia o seu último discurso em público, o discurso do Bom Pastor, que João, o narrador do episódio, recompõe e relata de modo admirável. Discurso em que Jesus recorre a metáforas de sabor bíblico e reafirma a sua identidade. “Eu sou a porta”; “Eu sou o bom pastor”. Afirmações repetidas duas vezes. Em contraposição, os outros ficam excluídos e desautorizados. Que sentimentos terão assaltado o coração dos ouvintes e, sobretudo, o dos fariseus!
A narrativa destaca a diferença de atitudes entre os protagonistas da parábola. Jesus, o bom pastor, que conhece e chama pelo nome cada ovelha do rebanho; que entra no redil e faz sair as que são suas, as conduz nos caminhos da liberdade e da esperança aos campos de pastos verdejantes; que vela por cada uma e está pronto a ir em busca de alguma que se tenha tresmalhado; que enfrenta as adversidades e defende, especialmente as mais débeis, na sua integridade; que vive com elas uma relação intensa de doação plena pois quer que tenham vida em abundância. Jo 10, 1-10. O Papa Francisco comenta com rara sabedoria esta parábola, realçando a saída missionária da Igreja para ser uma espécie de hospital de campanha num mundo destroçado por tantas guerras.
A propósito da celebração do 54º Dia Mundial de Oração pelas Vocações, que hoje ocorre, afirma o Santo Padre: “Gostaria de me deter na dimensão missionária da vocação cristã. Quem se deixou atrair pela voz de Deus e começou a seguir Jesus, rapidamente descobre dentro de si mesmo o desejo irreprimível de levar a Boa Nova aos irmãos, através da evangelização e do serviço na caridade. Todos os cristãos são constituídos missionários do Evangelho. Com efeito, o discípulo não recebe o dom do amor de Deus para sua consolação privada; não é chamado a ocupar-se de si mesmo nem a cuidar dos interesses duma empresa; simplesmente é tocado e transformado pela alegria de se sentir amado por Deus e não pode guardar esta experiência apenas para si mesmo: «a alegria do Evangelho, que enche a vida da comunidade dos discípulos, é uma alegria missionária». EG 21.
Quem não alimenta estas atitudes – os fariseus e outros grupos – é ladrão e salteador, aproveita-se do rebenho para se apascentar, abandona-o em caso de perigo, deixando-o exposto à ferocidade dos atacantes que destroçam, afugentam e matam. Os visados, ao serem tratados como bandidos, devem ter sentido uma reacção de furor que vai germinando no seu coração. A sequência dos factos mostra que a decisão de eliminarem o Bom Pastor está a consolidar-se.
Escutar a voz de Deus que chama. É preciso seguir a Cristo, o Bom Pastor e acompanhá-lo na sua paixão pelo bem da humanidade. “Tenho ainda outras ovelhas”; “Tenho de as conduzir; elas ouvirão a minha voz e haverá um só rebanho e um só pastor”. Grande certeza de Jesus que é desejo e oração. E, desde então, uma bela história de amor se vai escrevendo com nomes conhecidos e outros nem tanto, na simplicidade da vida diária e em momentos de excepcional importância. Homens e mulheres, santos e pecadores perdoados. Padres e freiras, pais de família e filhos abençoados.
Hoje, ocorre a celebração do dia da Mãe. Que feliz coincidência com a festa do Bom Pastor. “O primeiro amor” que toda a pessoa experimenta é o dos pais, mas é “sobretudo no sorriso materno” que a criança encontra a primeira e feliz mensagem de acolhimento, a “afirmação de que existir é um bem”, a confiança tranquila e serena numa “verdadeira relação de amor” que sustenta, que dá “sentido à existência e forma, humana e espiritualmente”, afirma a Comissão Episcopal Portuguesa do Laicado e da Família. E prossegue: “É nosso desejo destacar o valor fundamental das mães na família, na sociedade e na Igreja, e lembrar que o seu estatuto e missão bem merecem a melhor atenção a nível político, legislativo, laboral e social, para que se sintam mais apoiadas e dignificadas na sua tarefa insubstituível de humanização da sociedade”.
Uma sociedade sem as mães “seria uma sociedade desumana” porque as mães testemunham sempre, “mesmo nos piores momentos, a ternura, a dedicação, a força moral”. Na escola do Bom Pastor, aprende-se o amor de doação incondicional para que a vida seja feliz e abundante para todos.