Jesus ressuscitado realiza várias iniciativas para desvendar aos discípulos, e por eles, a toda a humanidade, a novidade do seu ser e do seu agir. Encontros pessoais e comunitários, marchas e refeições, diálogos e provações. Presenças surpreendentes, ausências súbitas e apresentação das cicatrizes da paixão. Hoje, o relato do Evangelho oferece-nos uma “amostra” de algumas destas iniciativas que realçam a sua divina misericórdia. (Jo 20, 19-31).
A desolação dos discípulos contrasta fortemente com a coragem de Jesus ressuscitado. Eles, amedrontados, estão refugiados em casa trancada, a temerem o que lhes podia acontecer na sequência da condenação do seu Mestre. Este, destemido, apresenta-se no meio deles, sereno e ousado, e saúda-os amigavelmente, desejando-lhes a paz. O contraste não pode ser mais radical e provocador. A atitude de Jesus surpreende-os completamente e deixa-os expectantes. Eles ainda não o haviam reconhecido. Que carga de medo inibidor! Que urgência da “purificação” do coração e da mente para iniciar o caminho da fé no ressuscitado! Que importância atribuída à jovem comunidade reunida em assembleia neste “arranque” decisivo!
Jesus toma a iniciativa e coloca-se no meio deles. Ele é o centro para onde todos convergem e donde cada um parte em missão, para ir ao encontro das pessoas e anunciar-lhes o amor com que Deus as ama e o apelo que lhes faz para viverem como irmãos em comunidade. Que belo “desenho” da Igreja germinal que servirá sempre de referência para atestar a autenticidade das nossas atitudes e a beleza da nossa comunhão.
João, o narrador do acontecido – adianta que foi no 1º. dia da semana que é o domingo. Esta referência tem enorme importância histórica e cultural, pois testemunha as raízes pascais do Dia do Senhor, da assembleia cristã que faz a sua celebração comunitária, da certeza de que “Ele está no meio de nós”. Como os cristãos de Cartago, somos convidados a afirmar: Sem domingo, não podemos viver! Que arrojo de fé em contraste com a onda crescente de insensibilidade espiritual face à riqueza do domingo e da tendência para a sua substituição por outras ocupações e entreténs. É tarefa urgente da nova evangelização anunciar e repor as prioridades na escala de valores que humanizam a sociedade e elevam a realização integral da dignidade humana.
A acção de Jesus no encontro com os discípulos prossegue de modo exemplar para quem se inicia na fé pascal: acolher a paz, aceitar o envio, receber o Espírito, perdoar e ser perdoado, reconhecer e venerar nas chagas do mundo as cicatrizes das feridas do Crucificado/Ressuscitado, abrir-se à fé de adoração e ser coerente em atitudes práticas. Que belo e estimulante caminho!
Que reforço dá ao nosso espírito inquieto, sempre em busca, a afirmação de Jesus: “Felizes os que acreditam sem terem visto”. É a felicidade de quem encontra e sabe passar “dos olhos ao coração”, do visível ao Invisível, do aparente ao Real, das chagas dos crucificados na terra à vida nova do Ressuscitado presente em tantos gestos de amor e de serviço humilde. De facto, Ele fica e vive connosco. Ele sonha uma humanidade renovada e envia-nos em missão.
Jesus sempre no meio de nós: está em cada beijo e em cada abraço de família; na oração e no compromisso da comunidade, no grupo solidário, que semeia a esperança e o bem e se esforça por buscar a verdade e promover o progresso. Jesus sempre no meio do coração do mundo como alento e dinamismo de toda a humanidade ( cf. Pastoral das Prisões, Sevilha).
Georgino Rocha