FELIZES OS MISERICORDIOSOS
Jesus inaugura a sua missão pública com o manifesto da felicidade proclamado com a maior solenidade: Sobe à montanha, rodeia-se dos discípulos, tendo a multidão ao alcance da sua vista. Fala com autoridade, semelhante à de Moisés. Mateus e Lucas retratam a cena e emolduram-na com vários elementos de grandiosidade.
O discurso inaugural condensa-se nas bem-aventuranças de quem aceita e vive esta mensagem. E Jesus vai enumerando situações concretas de felicidade: ter um coração aberto e disponível, de pobre, como Maria de Nazaré a quem a prima Isabel saúda dizendo: “Feliz és tu porque acreditaste”; aceitar a verdade do seu ser, a humildade, sem falsas aparências, como Zaqueu que acolheu Jesus em casa e repartiu os bens; chorar lágrimas de dor e de arrependimento como a pecadora pública que reconheceu Jesus em casa do fariseu e o distinguiu com o perfume do amor; ter fome da justiça que faz brilhar a dignidade humana, como a viúva teimosa que não deixou em paz o juiz iníquo, enquanto não foi atendida; ser misericordioso, como Deus Pai de Quem Jesus é rosto qualificado e filho muito querido.
As outras bem-aventuranças exemplificam situações várias e contrastantes com o pensar predominante. Nestas situações os discípulos vivem a misericórdia, o perdão, a promoção da paz, a coragem paciente nas adversidades, a alegria de assumir a boa nova que Jesus traz e anuncia. Vivem no quotidiano, frequentemente no silêncio discreto, quase sempre deixando brilhar o rosto de Deus Pai.
São os santos, nossos amigos, que hoje celebramos. Com honras de altar ou em “mesas” de gratidão familiar. Por feitos reconhecidos, milagres, ou pela simplicidade da vida no dia-a-dia. Com nome esculpido em imagens e lápides públicas ou guardado em registo que está no coração de Deus, o autêntico livro da vida. Com memória celebrada na liturgia oficial ou em devoções populares cheias de ternura. Os fiéis defuntos fazem parte desta grande família dos amigos de Deus que tanto apreciamos e carinhosamente evocamos. A exortação apostólica "A Alegria do Amor" do Papa Francisco apresenta de modo feliz a relação sadia com eles. (AL 255-258).
Os santos e as santas, apesar das suas peculiaridades, têm todos/as o mesmo perfil. Facilmente se pode desenhar um retrato comum porque estão modelados por Jesus Cristo e pelo código de felicidade que proclamou na montanha. Como Ele, tiveram e temos de viver, muitas vezes, em sentido contrário às ideias predominantes que definem as pautas sociais e moldam os comportamentos. Os santos, homens e mulheres, são pessoas de coragem, determinadas, activas, capazes de reagir e de afirmar as suas convicções mais basilares. Mostram-nos o caminho da verdade, da liberdade, da felicidade. O seu exemplo ilumina, a sua alegria atrai, o seu testemunho contagia. Felizes os que se familiarizam com o seu modo ser e de agir.
A misericórdia que Jesus nos confia é atitude pessoal que se expressa em acções. São estas que credenciam a autenticidade daquela. De contrário é simples “bola de sabão”, talvez piedoso desejo sem consequências. E as situações humanas dos empobrecidos erguem a voz nos dramas que os atormentam. O Papa Francisco, com uma coragem admirável, abre caminho em palavras e gestos que pretendem ser despertadores de consciências adormecidas e de comportamentos provocatórios. Recentemente, celebrou o Jubileu das Misericórdias, em Roma, com milhares de responsáveis das Santas Casas e de outras instituições afins. Também com representantes da nossa diocese de Aveiro.
“Felizes os misericordiosos”, proclama Jesus que, logo a seguir, dá a razão principal desta felicidade: “Porque alcançarão misericórdia”. Promessa em realização que, um dia, há-de atingir a plenitude nos braços de Deus Pai e no colo da Senhora que sempre nos contempla com o seu olhar misericordioso.