Reflexão de Georgino Rocha
As multidões porfiam em acompanhar Jesus. Certamente por diversas razões: ver o que fazia, curiosidade, pedir algum favor, pressentir que era chegada a hora de Deus libertar o seu povo, querer ouvir os seus ensinamentos, satisfazer os anseios do coração, seguir os seus passos. Uma diversidade que precisava de ser clarificada. Nem tudo serve para sintonizar com o projecto, a mensagem de salvação. E Jesus propõe-se fazê-lo. Não quer ninguém iludido, nem alimentar falsas esperanças. Define regras, estabelece critérios e condições. E respeitador da liberdade humana, como mais ninguém, adianta: “Quem quiser ser meu discípulo…”. Que maravilha: ser discípulo em liberdade. Que clareza de opção: priorizar o amor e, a partir dele, dar o justo valor a outros bens indispensáveis à vida. Que beleza de horizonte a abrir sentido às “coisas” de cada dia: deixar-se atrair pelo verdadeiro bem que brilha na doação incondicional de Jesus, na sua morte e ressurreição em Jerusalém. Na sua cruz florida!
Lucas, o evangelista narrador, indica três critérios de discernimento ou exigências básicas para seguir Jesus, para ser discípulo-cristão: os afectos do coração, o amor à vida, o apreço pelos bens materiais. E todos ao serviço do projecto de salvação que Jesus realiza em benefício da humanidade inteira. Não se pode ser cristão “a meias”. Há que optar, o que exige preferência por um bem e renúncia a outros. E Jesus é o Bem Maior.
A história regista, felizmente, os nomes de tantos que fizeram e fazem esta opção lúcida e corajosa por seguir Jesus Cristo. E deixa na sombra muitos outros que ficam na mediocridade espiritual ou mesmo na indiferença completa e, por vezes, angustiante.
Hoje, destaca-se a figura de Madre Teresa de Calcutá. O percurso da sua vida testemunha bem a aceitação jubilosa e sofrida dos critérios do Evangelho. A Igreja exulta de alegria. O mundo vibra, a seu modo, com a sua humanidade solidária. Os pobres sentem-se reconhecidos na sua dignidade e nos cuidados de saúde a que têm direito, no acompanhamento solícito e no aconchego familiar na fase da agonia e da morte.
Atendamos a um relato breve da sua vida e acção èm Calcutá, na Índia, narrado pelo Cardeal Ângelo Comastri.
Durante décadas arrancou dos passeios de Calcutá quem esperava febril, exangue, acabado (...) a morte. Durante décadas passou a mão sobre frontes chagadas, caras escavadas, corpos obscenamente ulceradas filhos de Deus que poderiam ter maldito Deus. Mas que não o amaldiçoaram porque tinham próximo esta irmã minúscula e gigante, pequena e grandiosa, vigária e emissária de Deus».
Madre Teresa diz-nos hoje: «Continuai vós, continuai a semear amor no mundo, porque dele há ainda muita necessidade».
A 5 de setembro de 1997, quando Madre Teresa fechava os olhos para este mundo, em Calcutá abateu-se um violentíssimo temporal. Na zona da casa das Missionárias da Caridade faltou a eletricidade por várias horas: assim, a mulher infatigável que tinha dado luz a tanta gente morreu na escuridão. Não é um sinal do Céu? Não é uma clara mensagem de Jesus, que tinha dito a Madre Teresa: «Sê a minha luz»? Sim, Jesus queria dizer-nos isto: «Vim tomar comigo Madre Teresa. Agora cabe a vós recolher a luz que ela irradiava no mundo, agora cabe a vós enviar luz ao mundo».
Na tradição cristã, os exemplos tornam-se presentes nas obras corporais de misericórdia, que incluem alimentar os esfomeados, dar abrigo aos sem-teto, visitar os doentes, e assim por diante.
Poucas figuras católicas alguma vez, e provavelmente nenhuma no seu tempo, ilustraram melhor esse impulso para a misericórdia concreta do que Madre Teresa, desde os centros para doentes com SIDA às casas de acolhimento para crianças perdidas e refugiados. Não houve virtualmente qualquer espécie de sofrimento humano a que ela não tivesse dado uma resposta prática.
Nesse sentido, Santa Teresa de Calcutá ficará para sempre como um "manual de como fazer misericórdia" em carne e sangue, uma espécie de guia do utilizador para o que a misericórdia é na prática. Daqui por diante Francisco não tem de oferecer qualquer explicação detalhada do que deseja que as pessoas façam; tudo o que tem de fazer é apontar para Madre Teresa e dizer: «Tenta ser como ela». Por outras palavras, é possível sustentar que o Ano da Misericórdia alcança o seu auge espiritual no próximo domingo. (Hoje).
“Jesus voltou-se” – refere Lucas ao introduzir este ensinamento de Jesus. Só em liberdade, se pode ser cristão. Só na verdade, se alicerça com segurança a autêntica liberdade.